Muito já se falou – e bem – sobre o genial filme de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona. Das críticas brasileiras, talvez a mais comentada seja a do psicanalista Contardo Calligaris, publicada na Folha de São Paulo (que infelizmente já não está mais online em 2012…). Uma outra, bem pertinente, era a da revista Vip – que também não está mais online… Está se perdendo uma memória virtual fantástica, mas enfim…
Segundo li na época, Arthur Dapieve fez uma crítica, na qual chamava a atenção para o fato do filme ter sido rodado em Barcelona por encomenda do governo espanhol… Bom, não devo ser a única a achar que isto não compromete a história, que pode se passar em qualquer cidade latina onde se tenha o mínimo de liberdade para experimentações. Sim, se for uma cidade latina é mais crível. Ou mais de acordo com os estereótipos que fazemos acerca dos latin lovers.
Espectadoras jovens, em geral, se identificam com alguma das três personagens. São muito diferentes entre si, talvez estereotipadas demais: Vicky é ‘a racional’; Cristina, ‘a emocional’ e Maria Helena, ‘a artista surtada’. Algumas vezes, a espectadora pode se ver como uma mistura delas. Renderia um bom material para análise individual até!
Por outro lado, curiosamente, não vi nenhum homem tentando se identificar com um dos dois personagens masculinos. (Nem com Juan Antonio – típico sedutor – nem com o noivo americano, um entediante cumpridor dos deveres, “burguês padrão”, cujo nome – não por acaso, esqueci.) Ou, se o fazem, não contam pra ninguém, o que é bem possível! 😉
Spoiler. Se não viu o filme, pare aqui…
No programa Saia Justa, exibido à época, uma das apresentadoras (acho que a Monica Waldvogel) disse que Vicky e Cristina voltaram para casa do mesmo jeito que chegaram à Barcelona. Discordo totalmente. Por mais que as escolhas, aparentemente, tenham sido pelas mesmas coisas que sempre escolheram, sem riscos para nenhuma das duas, o filósofo grego Heráclito já diria que “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio“. Ou seja, não tem como passar por uma temporada daquela e ficar igual.
Allen aborda as experimentações amorosas. E a reboque fala do tédio, da mesmice dos relacionamentos, de escolhas que se repetem. Dos riscos que se corre, das surpresas que aprontamos para nós mesmos. Afinal, se aparentemente Vicky optou pela segurança de um casamento tradicional, ela sabe (e Cristina também) da sua noite de amor maravilhosa e improvisada (quer dizer, é o que o público supõe, em se tratando de Juan Antonio, vivido pelo galã alternativo Javier Bardem). E isto, certamente, muda o seu olhar sobre relacionamentos, mesmo que – por hora – ela se mantenha dentro do que tinha planejado a princípio. Ela não mais poderá enganar a si mesma, ainda que a maioria das pessoas, das mais próximas, não conheçam o seu segredo. Vicky descobriu outro lado de si mesma e a lembrança desta escapulida arranhou a princípio sua autoimagem, de mulher fiel e certinha. Antes mesmo de casar, passou a enxergar o noivo de forma crítica. Nunca mais o paraíso vai ser o mesmo. Mais ou menos como Eva que, por ter comido a maçã, foi expulsa do paraíso, Vicky também foi.
E Cristina? Tudo igual para ela? Cristina se assemelha a tantas pessoas que a gente conhece e que os sociólogos chamam de “monogâmica em série”. Vive em busca do ideal por não se conformar em viver de acordo com o “normal”. Normal é pouco para ela. Entediada, ela corre o risco, mas cai na repetição – e também no cansaço de sempre se repetir, reiniciando tudo do zero. Nem para ela a vida vai ser igual. Ela não consegue mudar, está presa no ciclo de suas repetições, sem fazer absolutamente nada que seja, em si mesmo, diferente. Está apegada ao seu modo de ser, imprevisível (para quem?) e constante na sua inconstância.
Quanto à Maria Elena… o que dizer? Talvez seja a personagem mais estereotipada mesmo… e que não me inspirou tanto assim… Mas, aguardo comentários…
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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica e atende no Centro do Rio
Vicky Cristina Barcelona
ei thaís, acabo de ver o filme de W Allen e ainda estou “digerindo”, mas derivando um pouco, em princípio discordo de você num ponto: eu conheci pessoas que tão engessadas que nenhuma experiência fora do comum as modifica. Eu mesma gostaria de voltar meu filme e fazer algumas coisas diferentes….
abr
Oi, Darci. Talvez eu tenha sintetizado demais. Bom, se realmente a gente focar na cena final, no aeroporto, elas voltaram iguais. Assim como, olhando as pessoas que conhecemos, achamos que nada as modifica. Mas a gente está falando com um ponto de vista assim, de fora. Como saber o que se passa por dentro? Se fosse só passar pelas experiências, sem absorver, sem sofrer, sem sentir ou se modificar, em algum nível, talvez a indústria farmacêutica e o mercado do tráfico de drogas não lucrassem tanto.
Elas são jovens, antes dos 30, talvez. Têm pressa de viver, de amar. Mas o tempo passa e a reflexão, mesmo que muito a posteriori, vem. Então, não acredito que não teria alguma repercussão a médio ou longo prazo. Gente não é pedra – e elas não parecem psicopatas. Na vida de Cristina talvez fosse menos fácil de observar, porque pareceria apenas que ela é uma mulher que não se prende a ninguém. Na vida de Vicky, mais difícil ainda, se ela mantivesse a escolha pela segurança, mas duvido que a auto-imagem dela não tenha ficado arranhada. Frente ao tédio, provavelmente ela questionaria para sempre a vida que escolheu – com todas as vantagens e desvantagens, em nome da segurança.
Bem, mas é só uma opinião, baseada mais em desdobramento das pessoas da vida real do que na ficção… Se Woody Allen retomasse as personagens daqui a uns anos, seria interessante. Mas, fica como uma obra aberta, a gente escolhe o final!
Grande abraço pra você