Tudo pode dar certo, de Woody Allen, virou unanimidade entre os fãs brasileiros do diretor, mesmo sem ter sido sucesso nos Estados Unidos, talvez pela visão acidamente ‘pessimista’ do protagonista. Boris Yellnikoff – porta-voz da vez de Woody Allen – é interpretado por Larry David , co-autor da série Seinfeld. É possível que as bilheterias fracas se devam, mais uma vez, ao fato de Allen mirar sobre a sociedade americana e suas hipocrisias para disparar suas críticas.
Mas, vamos à história: o filme mostra o improvável encontro de um professor universitário, Boris, e uma linda jovem americana, interiorana. Mal humorado, ateu e pessimista, Boris já tentara suicídio, quando casado, tendo ficado manco em consequência disto. Obsessivo compulsivo, ele acolhe em sua casa uma jovem interiorana, burra feito uma porta, com o insuportável nome de Melodie St. Ann Celestine – que mostra bem o quanto sua família de origem é religiosa. Melodie pede para ficar uma noite e vai ficando várias – até se instalar de vez na vida de Boris, que se revela menos durão do que parecia a princípio.
Este inusitado casamento completa um ano, para a estupefação dos amigos de professor. Seria improvável que durasse muito, não pela diferença de idade, mas pela arrogância intelectual de Boris. Achando-se extremamente inteligente (nem sabemos se ele é) , Boris tripudia de seus alunos – crianças a quem ensina xadrez. E não faz diferente com Melodie, não a poupando por sua ingenuidade e ignorância. A ignorância da jovem, neste caso, é uma bênção: ela não sofre por isto! Simplesmente porque não o entende. Pelo contrário, o admira profundamente e absorve o que ele fala; sai repetindo, como um papagaio, que não sabe ao certo o que reproduz. E para quem é narcisista, ter alguém que o ecoe é bastante sedutor… Aos poucos, ambos vão se modificando no convívio diário. Afinal, como con-viver e se manter igual?
É então que a mãe de Melodie a reencontra, em Nova Iorque. Recém separada, fica extremamente decepcionada com a escolha da filha e resolve intervir. Afinal, projeta na filha (que tem uma beleza angelical, digna do nome, e que já fora premiada em vários concursos) tudo o que ela mesma não tinha conseguido realizar. E, ao longo deste processo de intervenção, a mãe vai ela mesma se modificando, em contato com os intelectuais nova-iorquinos. E, de repente, o pai de Melodie também reaparece. Fica também decepcionado com a escolha da filha, de queixo caído com as mudanças da ex-esposa mas, ele mesmo vai passar por grandes mudanças…
Tudo isto é dirigido com um ritmo acelerado. Em pouco mais de uma hora, muitas reviravoltas na vida das personagens acontecem, sem que descambe para o drama, em momento algum. Pelo contrário, é deboche puro. Nem as separações são tratadas de forma melancólica. No final, fica a sensação de que é uma outra brincadeira de Allen, com os clichês dos clichês, que Boris faz questão de denunciar. Visto pelos olhos de Allen, toda a sociedade americana é altamente caricaturável… E com as legendas do trailer abaixo, ainda mais risível
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Thays Babo é psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende no Centro.
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