“Minhas mães e meu pai“, produção americana, foca nos novos arranjos familiares. É uma comédia dramática, que promove reflexões profundas, com que terapeutas familiares têm se deparado nos últimos anos, frente aos novos modelos conjugais.
Serve também como filmoterapia.
Sinopse
As excelentes Julianne Moore e Annette Benning interpretam um casal de lésbicas, Nic (Benning) e Jules (Moore), que decidem ter filhos através de inseminação artificial. Ambas recorrem a um mesmo doador de sêmen.
Quinze anos depois, Laser (Josh Hutcherson) – o filho caçula – quer saber mais sobre sua origem. Nada mais natural e comum, arquetípico até. Laser implora a sua meia-irmã Joni (Mia Wasikowska, de Alice), que tem 18 anos e está de partida para a faculdade, que faça o contato com a clínica de fertilização para encontrarem o pai biológico (Paul, vivido por Mark Ruffalo), sem que as respectivas mães saibam.
Daqui pra frente, spoiler. Pare se ainda não viu o filme e volte depois de assistir.
A princípio relutante, Joni aceita. E gosta tanto de conhecer o pai, tão diferente das mães que, junto com o irmão, acaba revelando a verdade para elas. As mães ficam um tanto quanto desnorteadas. No entanto, o casal racionaliza e resolve abrir espaço para o ilustre desconhecido.
Nic (Annette Benning) leva mais tempo na defensiva do que Jules (Julianne Moore). Incomodada com mudanças nos filhos, a partir do relacionamento com o pai, revela padrões inflexíveis, sentindo-se ameaçada no seu relacionamento.
Frente à chegada deste novo elemento, a família tem de se reestruturar e rever seus vínculos.
Novos arranjos familiares
São pelo menos duas questões muito atuais se intercruzando no filme: a família ‘alternativa’ (que pode se configurar como tendo duas mães ou , quem sabe, dois pais) e a fertilização com doadores anônimos.
Provavelmente a leveza com que trata assuntos tão polêmicos, sem dar espaço a juízos ‘morais’, ajudou a conquistar o prêmio Teddy Bear, no Festival de Berlim (2010), conferido ao melhor longa de temática gay.
Porém, a temática não é de interesse exclusivamente gay, podendo se estender a héteros ou outros ‘rótulos’. O principal é que, em se tratando de relação amorosa e de relacionamento entre pais (e mães) e filhos, algumas questões podem se apresentar iguaizinhas.
O foco não é a batalha contra o preconceito e aceitação na sociedade. Talvez não se apresente como questão para o casal, que vive na Califórnia, e não em um estado conservador…
Famílias são todas iguais?
Disputa de poder, cobranças e inseguranças podem desestruturar uma família, seja ela tradicional ou não.
Filhos e filhas crescem e se tornam independentes, e passam a escolher por si sós. Têm de se desemaranhar de seus pais e mães.
Muitos não aceitam estas escolhas e dificultam a independência. Esta dificuldade gera sofrimento e dependência emocional, que pode se arrastar por toda a vida. Gera culpa no(a)s filho(a)s.
A síndrome do ninho vazio é a dor de quem fica e tem de ver ‘a cria’ crescer e ir embora.
A flexibilidade é um fator para manutenção do relacionamento
Independente da orientação sexual de um casal, algumas questões sempre serão difíceis de lidar. A rotina, a dificuldade de se comunicar e também eventuais infidelidades.
Casais precisam de flexibilidade e de maturidade para perdoar. Poder recomeçar. Enfim, um filme sensível, para pessoas que sabem aceitar as diferenças sem jogar pedras.
Porém, fica de fora o debate sobre a bissexualidade de uma das personagens principais. Não é aceita e uma das pessoas é afastada para que se mantenha a harmonia familiar. Ou seja, o “diferente” é visto como ameaça. Tanto em si quanto no outro.
Enfim, não tão leve como parece no trailer, é drama familiar, com toques de humor. Altamente recomendável para quem gosta de repensar os relacionamentos e ter um outro olhar.
Se quiser comentar, vou adorar conhecer sua opinião.
Thays Babo (CRP 05/23827) é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, com formação em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) pelo IPq (USP). Atualmente, faz formação em Terapia do Esquema.
Atende a jovens e adultos em terapia individual, de casal e pré-matrimonial . Durante a pandemia, apenas atendimento on-line.
Acabei de assistir em casa. Estava louca pra ver. O que mais me saltou aos olhos: a relaçao dos filhos com “as maes”. Eh engraçado que costumamos brincar: mae eh tao bom que uma soh jah basta. Imagine ter duas maes. A demanda pareceu a mesma para os filhos. Foi muito clara a falta da figura masculina da relaçao da familia, alguem com outro ponto de vista. Fiquei pensando nisso quando vi que o roteirista optou por dar a entender que a convivencia com a figura masculina foi apenas passageira. Dah muito o que pensar (a propria timidez da moça em relaçao ao sexo oposto, a atraçao do menino pelo amigo “ogro”). Na antropologia, uma das mais complexas questoes eh entender ateh onde vai a natureza e onde começa a cultura. A relaçao entre generos eh boa pra pensar isso. Entao, as mulheres, ainda que, homoeroticamente orientadas permanecem com seu modo de pensar feminino?
Grande pergunta a sua, Solange. Mas existe um modo de pensar feminino? (Quero ver como você se sai, rsrsrs)
Algo que me incomodou muito no filme é como ‘demonizaram’ o pai, o punindo com o afastamento dos filhos – com quem realmente gostou de se relacionar. A família o trata como se ele tivesse sido um crápula no envolvimento com Jules, personagem de Julianne Moore, como se fosse um sedutor e o desejo não tivesse explodido dos dois lados. A mulher, vítima, como sempre.
De certa forma, revela que, mesmo em roteiristas pró causa GLS, persiste o desconhecimento (ou negação?) sobre a bissexualidade . Isto não quer dizer que Jules não deveria ter reatado o relacionamento. Achei interessante o casal ter se reestruturado. Mas , sem ter conversado profundamente sobre o assunto, só negando, eu não apostaria em uma felicidade a longo prazo – ainda que o casamento permaneça ‘sólido’ por longos anos.