Um comportamento se torna a cada dia mais comum entre usuário/as de redes sociais: acompanhar a vida alheia, investigando detalhes como hábitos, amizades, trocas de mensagens, recebimentos de likes etc.

Este comportamento, o stalking (do verbo em inglês, to stalk), já virou em português “stalkear”.

O stalking pode ser praticado com amigos, por empresas (para avaliar candidatos a vagas) mas muito frequentemente tem se tornado uma queixa bem frequente nos relacionamentos amorosos.

Curiosamente, quem stalkeia, muitas vezes, se incomoda por ter ‘praticado’ – mas, mesmo experimentando conflitos éticos, tem dificuldade de abandonar o comportamento.

Quem sofre a ‘investigação’ – e posteriores cobranças a partir do que foi levantado, quando o stalker revela – se irrita, podendo até detonar o relacionamento. Muitas vezes, a descoberta é irrelevante para quem pratica mas assume grande proporção para quem vigia.

Stalkeando seu par amoroso

Focando apenas no stalking dos relacionamentos amorosos, é importante lembrar que aplicativos como WhatsappTinder ou Happ´n, dentre outros tantos, e redes sociais – Linkedin e Facebook  – ampliaram as possibilidades de conhecer pessoas. Também servem para (re)encontro ou (re)aproximação.

Como consequência, contribuem para aumentar a insegurança – principalmente em quem já não tinha lá muita autoconfiança ou tem algum trauma amoroso, por infidelidade.

O pensador Zygmunt Bauman falava  do conflito entre liberdade e segurança e criou o conceito de liquidez, aplicado também aos relacionamentos amorosos: amores líquidos. Stalkers muitas vezes acreditam que, seguindo o/a parceiro/a, garantirão a estabilidade do relacionamento. Vigiam querendo não descobrir – mas ao descobrirem (ou imaginarem que descobriram) – entram em desespero.

Mas há situações em que Stalkear pode ser recomendado: quando se vai a um blind date, por exemplo.

Mas, mesmo esta ‘segurança’ é relativa: tem-se um certo controle entre o que se exibe e publica. Nos relacionamentos já existentens é que o hábito é mais prejudicial, muitas vezes minando o relacionamento.

Problemas no relacionamento

Um comportamento típico: ao ver alguém adicionado em uma das redes pelo seu par, muitas vezes o/a stalker  se pergunta “quem é esta ‘figura’?” (muitas vezes, o  ‘figura‘ é algum xingamento). E vai atrás dos detalhes de quem é a tal pessoa.

Há um controle também no número de curtidas e comentários que o par recebe. E muitas vezes, a pessoa está apenas recebendo a investida – sem retribuir. A partir daí, o que fazer?

Ao surgir a dúvida, quais são as opções?

  1. Perguntar diretamente a/o namorado/a ou cônjuge – às vezes ele/a pode ficar impaciente pela desconfiança, muitas vezes descabida.
  2.  Não comentar  nada – não por estar bem, mas para que a  pessoa sob suspeita não blinde  sua conta pode fazer você alimentar  raiva e desconfiança à toa.

Em  ambos os casos,  a perseguição virtual a/o intrusa/o aumenta a ansiedade e insegurança e  trazem um inferno pessoal.

O stalking se amplia para se tentar algum controle. O enorme dispêndio de tempo, que poderia ser investido em coisas mais prazerosas, inclusive em prol da relação.  

stalk2

Em geral, a pessoa acusada se ressente da desconfiança. Em muitos casos, ela é confiável e saudável e está apenas exercendo sua liberdade, sem estar traindo. Está recebendo o assédio sem retribuir.

Ciúme não é necessariamente amor

Há quem acredite que ciúmes sejam sinal de amor – o que justificaria o stalking. Esta é uma crença  romântica.

Mas, apesar de ser uma emoção humana, universal, o ciúme deve ser controlado. Ele geralmente  traz muito mais prejuízo para o relacionamento do que algo de positivo.

Em nome do ciúme, muito já se matou – e se continua a matar.  Muito se sofre. Clássicos como Otelo e Dom Casmurro mostram o quanto pode ser prejudicial ou trágico. O noticiário diariamente nos traz exemplos.

É importante frisar que às vezes nada aconteceu de real. É só uma tentativa – fadada ao fracasso – de tentar controlar a mente da outra pessoa. E seus desejos. Por isto é tão importante o casal conversar sobre seus valores, ao começar um namoro ou casamento. A terapia pré-matrimonial também ajuda neste sentido, a estabelecer acordos, fazer negociações, definir o que pode ou não pode. 

Em algumas abordagens psicológicas, interpreta-se a desconfiança – sem evidências concretas de traição – como ‘projeção’. Ou seja, sendo capaz de trair, imagina-se que o outro poderá trair a qualquer momento e, por isto, tem de se estar sempre em vigilância. Muitas vezes,  quem desconfia mais é justamente quem mais sofre assédio.  Fica até ‘tentada’ mas acha que mantém o ‘controle’. Só não confia que seu par conseguirá fazer o mesmo. 

Parafraseando Freud, muitas vezes ‘uma curtida é apenas uma curtida‘. Não quer dizer nada em si. E há que se confiar, ou então o relacionamento passa a ser uma tortura, para si e para o outro.  É  importante relativizar e saber avaliar. Se seu par for atraente pode  efetivamente ter muito assédio – o que é bem diferente de que ele/a cederá ou que faz algo de errado.

Quando não se tem  flexibilidade e tolerância à incerteza, sempre haverá separações. De certa forma, é a monogamia sequencial: por horror à  mera possibilidade de traição sempre  reiniciando novas relações. Assim, é bastante importante  lidar com a insegurança e saber distinguir quando a curtida dada ou recebida significa algo a mais. 

Quais são as formas com que se pode garantir que um relacionamento dure? Garantias não há. Mas alguns ingredientes são fundamentais para que deem certo – ainda que terminem um dia.

A confiança e respeito são dois deles.

Se o uso das tecnologias aflige você, rouba a sua paz e atrapalha o seu relacionamento – ou contribuiu para algum rompimento -, que tal investigar a base da relação, como ela foi construída?

Quais são os seus valores e como trazê-los para a sua relação? O que ambas as pessoas entendem por lealdade ou fidelidade? Em caso de sofrimento mental e amoroso, procure ajuda psicológica.  

_____________________________

Thays Babo é Psicóloga Clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP). Atualmente, cursa a formação em Terapia do Esquema pela Wainer Psicologia.

Atende a jovens e adultos em terapia individual, de casal ou pré-matrimonial,  em Copacabana e também online. 

Stalkear ou não stalkear? Eis a questão

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.