O amor é uma das questões centrais na vida do ser humano. Na sociedade ocidental, é muitas vezes confundido e restrito ao relacionamento amoroso. Não se entende estar só como solitude. Entende-se como solidão.

E a solidão é mal vista e considerada preocupante. Não é considerada uma condição da existência, pela maioria das pessoas.

Por isto, ainda é enorme a pressão social para que as pessoas se fixem  em um relacionamento. É como se fosse um atestado de ‘saúde mental’. Mas, na verdade não é – que isto fique bem claro.

Pressão social

Sempre houve pressão para que as pessoas formassem famílias . Aparentemente, por fins religiosos, mas havia um interesse econômico, do Estado, até para a formação de exércitos. Não é muito romântico falar sobre isto, mas ainda assim é para muitas sociedades.

Não são raros relacionamentos longos que já se tornaram desprazerosos, ou até tóxicos. Muitos casais não ousam se separar para não enfrentar questionamentos. Ou perder o status social. Ainda, pior: acreditam mesmo que  não ter ‘alguém’ indica algum problema.

Ou simplesmente temem estar só.

Estar só – o que isto diz de você?

No Natal, réveillon e dia dos Namorados, e em outras datas comemorativas, pessoas adultas que, por razões variadas, não estão namorando, nunca  casaram ou não têm nenhum “rolo”, costumam ficar ansiosas. Afinal, nos eventos de família, tem sempre alguém, que pode ser um tio ou uma tia que pergunta sobre ‘namoradinho(a)”.

A pressão começa cedo, já na adolescência. Hoje em dia, nas redes sociais já circulam vários memes, com sugestões de respostas cortantes e desaforadas para quem quer invadir sua vida e julgá-la.

Em 2020, a Netflix lançou um filme em que a protagonista arranja um par amoroso só para comparecer às festas de família: Amor com data Marcada (o título original em inglês é Holidate, juntando as palavras holiday (das Festas) com o date (encontro)).

Status de relacionamento

Na era digital, a vida amorosa deixou de ser privada. Casais que compartilham fotos nas redes sociais dão acesso aos seus contatos. São mais controlados. Seus contatos – que incluem a família, amigos e mesmo desconhecidos – acompanham as brigas. Sabem se fazem ou não as pazes – ou até se começam novos relacionamentos.

A pressão, antes exercida apenas pela família, agora é extensa. Ainda que não possa ser mensurada, pode interferir na própria dinâmica do relacionamento. Por exemplo, um like de uma pessoa pode gerar grandes conflitos (desnecessário) no relacionamento.

Ou seja, não bastassem os desafios da vida a dois, os casais agora têm de aprender a negociar o seu comportamento online, pois são mais do que duas pessoas interagindo.

Na verdade,  status de relacionamento não deveria ser o  critério para mensurar o nível de felicidade de ninguém.

Por mais que a  cultura popular ainda alimente crenças como  ‘é impossível ser feliz sozinho‘, através de músicas, filmes e literatura, muitos relacionamentos não deveriam sequer ser iniciados, quanto mais mantidos.

A sua saúde física e mental agradeceria. Mas para isto você precisa aprender a gostar de ficar só. Talvez não seja tão simples pra você.

Dependendo das suas experiências iniciais, na sua família de origem, você pode ter desenvolvido crenças que você não é capaz de sobreviver por si só. Ou que você não é uma pessoa com qualidades, que ninguém gostaria de você. Ou que o mundo é cruel e ninguém é confiável.

A Terapia do Esquema trabalha bastante bem neste sentido, para descobrir com você quais as suas crenças e as suas necessidades emocionais que não foram atendidas. Mais consciente do seu valor e do que você precisa, suas escolhas amorosas serão mais conscientes. E melhores. Não manterá relações que repitam padrões disfuncionais – ainda que sejam familiares. A solidão não será tão assustadora – pode ser solitude e prazerosa até.

Você escolhe: glória ou dor?

Paul Tillich, filósofo e teólogo americano, faz uma distinção importante entre os dois estados:

A linguagem (…) criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho”.

Assim, não estar em  um relacionamento amoroso não deve ser relacionado com tristezaabandonorejeição. A cultura perpetua a crença de que ‘estar só é estar triste‘. Pois saiba que é só uma crença. Não é uma verdade universal. Ponto.

Tal crença pode ter alto custo emocional. Pessoas que se mantêm em relacionamentos abusivos exemplificam o dano que isto pode causar.

foto de Nicole Harrington – Unsplash

Muitas pessoas que se jogam em relacionamentos amorosos sucessivos, querem evitar o encontro consigo mesmas. Ou estão, na verdade, viciadas na paixão.

Querem as emoções de início – e aí, tanto faz, na verdade, quem seja o seu par, desde que proporcione estas emoções. E estas são temporárias. Como já se sabe, há uma química que pode ser viciante. Mas ela se transforma, mudando da fase da paixão para a fase do amor – se você deixar chegar a esta fase .

Monogamia em série

Pessoas viciadas na química da paixão emendam um relacionamento no outro. Por idealizarem a monogamia, lançam-se na monogamia em série. Quando as emoções prazerosas começam a diminuir, terminam um relacionamento e buscam o próximo.

Sem flexibilidade e sem capacidade de negociação e por não terem parado para  perceber o que deu errado no relacionamento anterior, acabam saindo do relacionamento. E mais uma vez não refletem  sobre como contribuíram para que não fosse adiante. E assim, o ciclo se perpetua.

Verdade seja dita: não necessariamente algo deu errado. Apenas a química se transformou.

Se este é o seu ideal, e você se viciou nos neurotransmissores do início do relacionamento, vai, sim, buscar outro. Ad eternum.

Até o dia em que se percebe só. Ou não tão atraente. Sente-se vulnerável. Pode aumentar suas defesas – impedindo-se de receber justamente o que idealizava inicialmente: amor.

Amor é aprendizado

Contrariando o que a cultura popular, a mídia e as artes apregoam, o amor não é inato e nem instantâneo. “Amor dá trabalho“, como diz o filósofo suíço Alain de Botton, autor dos romances Ensaios de amor e O curso do amor.

Esperam-se grandes gestos do par amoroso, graças à cultura romântica. Assim, pequenos sinais do dia-a-dia, que refletem a qualidade do relacionamento, podem passar desapercebidos. Minimizando o positivo, valorizando o que falta, vem a frustração. E surge o questionamento sobre se vale a pena continuar.

Se você desiste, pode vir a ter uma série de relacionamentos. E todos insatisfatórios. Porque a insatisfação pessoal continua. Não sabemos na verdade o que queremos. E nem pedir o que queremos receber. E continuamos esperando que nosso par seja perfeito. Como não somos e nem nunca seremos, por sermos simplesmente humanos. 

Perguntas importantes para sua autoanálise

Antes de entrar em alguma  relação, autocuidado e autocompaixão são fundamentais para sua saúde mental. Pergunte-se:

  • O que gosto em mim, no que me tornei e sou hoje?
  • Será que o que me impede de ser feliz hoje,  aqui e agora,  é apenas (ter ou não) uma parceria amorosa? 
  • Consigo ficar só? O que penso de mim quando não estou em um relacionamento amoroso?
  • Consigo me comprometer?
  • Será que quero mesmo um relacionamento de longa duração ou apenas a paixão, o prazer e a diversão?
  • Será que acredito no que idealizei? Será que alguém pode atender todas as minhas demandas? Eu conseguiria, se forem as mesmas do meu par?
Foto de Elizabeth Tsung-em Unsplash
A psicoterapia pode ajudar na sua vida amorosa

A psicoterapia pode ajudar bastante a desenvolver as suas relações afetivas. Irá ajudar você a rever os seus modelos – e a questionar sua função. Se mantidos, sem questionamentos, podem estar entravando as suas relações afetivas.

Você poderá ter uma vida mais amorosa se aprender a ver o que cabe a você e o que cabe à outra pessoa. Se parar de imaginar que suas carências serão todas resolvidas por um outro – que teria de ser perfeito. Cabe a você boa parte destas soluções.

Assuma a sua responsabilidade na vida que você tem e na que você quer ter. Como você pode se comprometer e ir na direção que você quer?

Conhece-te a ti mesmo“, já diziam os gregos. Observe-se e  se comprometa com os valores que  são realmente os seus. Se você ainda não começou, em 2020, procure ajuda especializada. Se já estiver em um relacionamento amoroso, considere a possibilidade de terapia pré-matrimonial ou terapia de casal.

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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, na linha de Família e Casal, com formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e Extensão em  Terapia de Aceitação e Compromisso. Atualmente, está em formação em Terapia do Esquema, pela Wainer Psicologia.

Atende a jovens e adultos, em terapia individual, de casal ou pré-matrimonial em Copacabana. Durante a pandemia de coronavírus, a maioria dos atendimentos é feita online.

Solitude ou solidão?