Estes são tempos difíceis para as crianças e, portanto, para os pais. Houve uma mudança radical na natureza da infância ao longo da última década ou duas, dificultando que as crianças aprendam lições básicas do coração humano e uma que aumenta a aposta para os pais que costumavam passar essas lições para as crianças que amam. Pais e mães precisam ser mais inteligentes em ensinar lições emocionais e sociais básicas aos filhos. (Daniel Goleman)
A preocupação com a saúde mental das crianças e adolescentes é muito recente. Historicamente, as crianças eram vistas como pequenas adultas – Philippe Ariès lançou uma luz sobre o assunto, com seu História Social da Criança e da Família. O papel da criança no grupo familiar foi mudando nos últimos séculos e a psicologia colaborou muito para isto.
Novos modelos de família
Muitas mudanças aconteceram na sociedade. Naturalmente, a relação entre pais, mães e suas crianças e adolescentes mudou também.
Se antes a criança era sequer considerada, como mostra Ariès, hoje, muitos pais e mães colocam a criança no centro de tudo. Assim, criam pequenos tiranos, sem limites, sem preparo para a vida.
Ao invés de ser melhor para a criança ou jovem, a falta de limites prejudica seu desenvolvimento, suas relações interpessoais e têm impacto na sua saúde mental.
A família depois da internet
A internet promoveu mudanças radicais, muito rapidamente. Em poucos anos viramos uma sociedade digital e globalizada. Obviamente isto causou impactos nas relações amorosas, familiares, sociais e profissionais.
Crianças e jovens estão cada vez mais conectados. Muitas vezes seus responsáveis os presenteiam muito precocemente com os dispositivos e depois acabam sem saber como dar limite. Smartphones viram babás eletrônicas. Também há a expectativa de que a criança se desenvolva rapidamente, seja competitiva, tenha um emprego garantido…
Profissionais da área de saúde e saúde mental desaconselham o uso de celulares e outros dispositivos por crianças muito pequenas. E mostram que, pelo contrário, é mais importante o brincar . Brincadeiras e jogos ajudam a desenvolver competências e habilidades sociais: aprende-se a negociar, aceitar fracassos e perseguir vitórias. Os dispositivos eletrônicos promovem o isolamento, com os olhos fixos numa tela.
Educação na época do Google
Se informação é poder, internet e o Google – dentre outras ferramentas – promoveram uma mudança nas relações com as figuras de autoridade. Tudo que antes se perguntava ao pai, à mãe ou a quem educasse, uma criança ou adolescente pode saber muito mais rápido. No Youtube, ensina-se quase tudo.
Além disto, crianças e jovens têm agora acesso a uma gama enorme de informações. Não só o volume de informações aumentou: a velocidade também. A informação agora é instantânea. E nem sempre de qualidade ou saudável.
Quem educa precisa, pois, de uma nova postura. A educação, que deve começar em casa e ser apoiada pela escola, ainda não se adaptou. Nesta transição para um novo modelo, pais, mães e educadores encontram-se perdidos ou mesmo assustados.
Educação – precisamos incluir a educação emocional
A educação emocional tem de receber maior atenção. Este conceito é muito novo e muitas das pessoas hoje no papel de educadoras não foram educadas de forma mais sensível e atenta. Não sabem como mudar.
Pais, mães e demais educadores precisam reconhecer suas próprias emoções, para poderem expressá-las de forma assertiva. Precisam desenvolver suas competências emocionais. Tudo bem. Não precisa se culpar: ninguém nasce pronto para ser pai ou mãe.
Afinal, se a saúde mental das novas gerações está ligada à saúde mental de quem os educa, a responsabilidade dos educadores é cuidar também das suas próprias questões emocionais. Se conseguirem encarar suas dores, não se sentirão tão chocados e perdidos ao ouvirem as queixas de filhos e filhas. Vão poder se abrir ao diálogo – e isto pode fazer grande diferença para a saúde mental.
As emoções consideradas ‘negativas’ – como raiva, impaciência, irritação – são próprias da existência humana. Pais e mães que não conseguem aceitar que elas vêm (mas passam) tendem a julgar, punir ou negar – o que pode causar tristeza, vergonha. Decididamente, não é assim que se ajuda a criança ou jovem a aprender a lidar com estas emoções.
Treinamento de pais
Muitos pais e mães têm o desejo de serem perfeitos. Culpam-se por seus momentos de impaciência e irritação – que pode ser muito natural. Afinal, filhos e filhas observam seus comportamentos e, às vezes, os copiam.
Pra começar, saiba que pai ou mãe perfeitos não existem. O conceito de “mãe suficientemente boa“, criado pelo psicanalista inglês Winnicott liberou-as desta obrigação que imaginavam ter, da perfeição. Podemos estender também para os pais…
Ao atender uma criança ou jovem, é preciso fazer um trabalho com os pais e mães, cuja regulação emocional influencia na saúde mental da prole.
Cada vez mais fica urgente o treinamento dos pais, que “visa desenvolver habilidades nos cuidadores para que modifiquem e evitem comportamentos indesejados dos filhos” (Serra, Spritzer, 2020)
O/a psi observará a dinâmica familiar e o que a levou ao consultório. Muitas vezes, a mudança no comportamento das pessoas responsáveis será o suficiente para a melhora da criança/adolescente.
No entanto, por medo da mudança ou por não reconhecerem esta necessidade, muitos interrompem a psicoterapia do/a/s filho/a/s.
Ansiedade e depressão infanto juvenil
O que fazer para deter o aumento dos casos de depressão e ansiedade infantis, que levam também ao aumento das taxas de suicídio entre crianças e adolescentes ? Profissionais da saúde mental investigam o assunto e algumas instituições vêm soltando cartilhas com orientações sobre depressão.
Redes sociais e a vida
As redes sociais vêm sendo apontadas como causas dos transtornos de saúde mental. Ficar vendo a vida dos outros leva a imaginar que todos são felizes e se divertem – menos quem está ali, seguindo os influenciadores digitais. Recentemente, o Instagram fez mudanças para tentar controlar o crescimento dos transtornos mentais.
Mas não só as redes – que também têm aspectos muito positivos, temos de reconhecer. Na vida offline há acontecimentos marcantes, dolorosos, como perdas de pessoas queridas, de animais, rompimento de relacionamentos, quebra de amizades. O bullying também pode causar ansiedade, depressão, fobia social e outros. E deixa marcas que podem prejudicar o desenvolvimento, se não for reconhecido e tratado.
A família precisa reconhecer estes momentos, diferenciar o que é tristeza – normal – do que é depressão.
Suicídio de adolescentes
A série da Netflix apontada como uma das causadoras do aumento de suicídios de jovens nos Estados Unidos mudou recentemente o seu final, para que não houvesse a glamourização do suicídio.
Atualmente, o suicídio é a terceira causa de morte na faixa etária entre os 15 e os 24 anos. Surpreendentemente para muitos, crianças também se sentem deprimidas e ansiosas.
Pesquisa recente no Brasil mostrou que 75% dos transtornos mentais começam na infância – e não são tratados. Pesquisadores de Yale descobriram que o apoio dos pais no enfrentamento das situações ansiogênicas, em especial, pode ser mais eficaz no tratamento da ansiedade do que a psicoterapia infantil individual.
Mas, para isto, obviamente, pais e mães precisam aceitar sua própria ansiedade. E enfrentá-la. Ao invés de evitar a situação à exposição, podem incentivar o enfrentamento. Várias abordagens de psicoterapia trabalham neste sentido, o que melhora a qualidade de vida.
Orientação às pessoas responsáveis
Se seu filho ou sua filha apresenta um comportamento diferente, se isola, fala que falta sentido em sua vida, ou que gostaria de morrer, não minimize, não desqualifique, não julgue. O quanto antes, procure ajuda especializada, de um profissional de psiquiatria e de psicologia, principalmente se já tiver algum caso de depressão, ansiedade ou suicídio na família.
Muitas pessoas não buscam ajuda profissional pelo medo de serem estigmatizadas. Afinal, ainda tem quem acredite que depressão é falta do que fazer, falta de Deus, ou de amigos. Não é. Informe-se melhor, busque ajuda e orientação para você também. Estes transtornos podem acontecer com qualquer pessoa, a qualquer momento.
Não perca pessoas por falta de informação. Busque ajuda psi o quanto antes se você reconhecer sinais de problemas mentais nas crianças e jovens próximos a você.
Thays Babo é Psicóloga Clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP), membro da ACBS (Association for Contextual Behavioral Science. Atende a jovens e adultos em terapia individual, de casal e pré-matrimonial, em Copacabana.