Não adianta: nenhum ‘manual de instruções’ seria suficientemente bom na hora de dizer adeus a alguém querido. Talvez este despreparo aconteça porque não somos acostumados a falar sobre perdas e despedidas que enfrentaremos ao longo da vida.
Como ocidentais, sofremos mais. Principalmente quando a perda vem pela morte. Nossa cultura não nos prepara para o enfrentamento da morte, este que é o único evento de que temos certeza.
Toda morte nos choca
Independente da causa: acidente ou doença degenerativa ficamos chocados. Em alguns casos até pode ser um alívio, para quem se vai e ou para quem fica, que sofre ao assistir o declínio lento. Mas até sentir isto traz culpa. Enfim, a morte nos dá a sensação de um pesadelo.
A morte de alguém jovem é ainda mais chocante. E temos de ficar atentos ao alto número de suicídios entre jovens e crianças.
Independente de acreditar ou não em múltiplas existências, rituais de despedidas não costumam ser fáceis. Varia de país para país, mas aqui no Brasil é particularmente doloroso. Até por conta da burocracia envolvida – por exemplo, andar com a papelada, quando quem morre não é uma pessoa organizada.
O direito ao luto
Tem horas em que tudo o que se gostaria de fazer é sentar e prantear. Poder fazer isto ajuda a elaborar a perda. Quando não se passa pelo processo de luto, às vezes ele emerge anos depois.
Em mortes repentinas, inesperadas, as pessoas mais próximas se veem envolvidas nos preparativos. Enterro ou cremação podem ser igualmente dolorosos.
Algumas perdas talvez nunca possam ser ‘superadas’, só ‘ressignificadas’. O tempo colabora, transformando o desalento total em saudade. Mas se não houver um firme comprometimento com a vida, as pessoas ao redor de quem sofreu a perda devem buscar ajuda profissional.
A qualidade de como se vive e a relação com a aceitação da morte
Dentre as abordagens filosóficas ocidentais, talvez a existencialista seja a que melhor aponte a relação entre a qualidade de vida que levamos com a aceitação diante de nossa própria finitude.
Sim, cada morte de alguma forma nos atinge e nos desestabiliza porque vem nos lembrar da nossa própria morte, agendada, em algum dia distante (ou não, como saber?).
Somos, como disse Heidegger, ser-para-a-morte. Mas isto não nos torna automaticamente ‘habilitados’ para lidarmos bem com ela.
Literatura
Pessoalmente, consegui entender melhor a angústia de morte quando li o capítulo 4 de Existential Psychotherapy, de Irvin Yalom. O autor ficou famoso no Brasil pelos seus romances.
Mas, foi neste livro, em que fala da sua experiência clínica, com vários casos clínicos intercalados com trechos de romances em que a angústia de morte está ali, clara como cristal.
A morte e a morte de Ivan Iliitch
Yalom destaca o livro A morte e a morte de Ivan Iliitch, de Tolstoy. O autor retratou perfeitamente bem o que todos nós pensamos antes mesmo do confronto com a morte.
Perceber o envelhecimento já nos é difícil. E a negação de Ivan Illitch, diante da constatação de que vai morrer, é muito bem descrita:
No fundo de seu coração, ele sabia que estava morrendo, mas ele não apenas não se acostumava com a ideia: ele simplesmente não lidava nem conseguiria lidar com isto.
O silogismo que ele havia aprendido no Tratado de Lógica de Kiezewetter, “Caio é um homem; homens são mortais, logo Caio é mortal”, sempre lhe pareceu correto se aplicado a Caio, mas, certamente, não se aplicado a ele mesmo. Aquele Caio – homem abstrato – era mortal, perfeitamente correto. Mas ele não era Caio, não era um homem abstrato, mas uma criatura bastante diferenciada de todas as outras. (…) Caio realmente era mortal e estava certo para ele morrer. Mas, quanto a mim, pequeno Vanya, Ivan Ilyich, com todos os meus pensamentos e emoções, é um assunto totalmente diferente. Não pode ser que eu tenha que morrer. Isto seria muito terrível.
Existential Psychoterapy mudou minha forma de me relacionar com a vida. Destaco a importância da frase que Yalom ouviu de uma paciente, ao receber um diagnóstico de terminalidade: “A existência não pode ser adiada“. A gente adia tanta coisa – mas qual o tempo que nos resta?
Quando descobriam que a vida pode se extinguir muito antes do que se planeja, seus pacientes de variadas idades, de ambos os sexos, sentiam a urgência de fazer o máximo aqui, agora, sem adiar projetos.
Yalom psiquiatra aprendeu com seus pacientes que a forma com que lidam com a morte é indicativa de como viveu: foi uma vida plena? Ou feita de adiamentos?
Quem vive de forma plena, de acordo com os outros existenciais (ou valores) – liberdade, responsabilidade, autoria – tem menos medo e arrependimento quando percebe que a morte se aproxima.
Filmoterapia
Alguns filmes falam sobre morte de forma sensível e trazem reflexão, sem apelar para o melodrama. Alguns destaques:
- O clássico Sétimo Selo – de Ingmar Bergman, de 1956
- All that Jazz – musical
- O Reencontro (1983) e Para o Resto de nossas Vidas (1992) – quase 10 anos separam os dois filmes, que se confundem um pouco por terem em comum a temática da reunião de antigos amigos e o enfrentamento da terminalidade.
- O Encontro Marcado – filme de 1998, com Brad Pitt e Anthony Hopkins.
- Amor além da Vida (1998), que tem Robin Williams no elenco, ganhou Oscar de Melhores Efeitos, trata da morte inesperada e também do suicídio, trazendo um olhar espiritualista, muito parecido com a visão da doutrina espírita.
- Magnólia (1999)
- Confissões de Schmidt (2002), com Jack Nicholson. Schmidt se aposenta e então descobre algumas coisas sobre a vida.
- Invasões Bárbaras (2003), filme canadense, de , premiado no Oscar, continuação de O declínio do império americano
- O Tempo que Resta – filme francês, de 2005, ilustra bem o que Irvin Yalom percebeu em alguns pacientes terminais: a urgência de viver a vida plenamente.
- O Escafandro e a Borboleta – Baseado em uma história real, nos lembra que a morte espreita todas as pessoas, de qualquer idade, a todo o tempo, apesar de construirmos defesas para não lembrarmos dela.
Listo abaixo outros a que não assisti (por critérios cinematográficos e não propriamente por rejeição ao tema) mas que sempre são citados :
- Doce Novembro
- Um amor para recordar
- P.S. Eu te amo
(Caso lembre de algum, mande a dica…)
Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, na linha de Família e Casal, com formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e Extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso.
Atende a jovens e adultos, em terapia individual, de casal ou pré-matrimonial em Copacabana.
Olá Thays vi seu comentario no blog da Andrea Franco. Também sou psicóloga e participei da entrevista sobre amizade entre gays e mulheres. Você também participou? Adorei seu texto! Grande Beijo
Oi, Mara, participei sim!
Obrigada pela visita! semana que vem devo ter texto novo no ar!
Beijo