O Leitor  concorre a 5 estatuetas do Oscar (a saber: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia) e tem o raro poder de despertar compaixão por alguém que não a merece. Alguém para quem o senso moral não existe. Tomarei cuidado para não entregar o segredo anunciado no cartaz de divulgação: “O que você seria capaz de fazer para esconder um segredo?”. Ainda bem que não tinha visto o cartaz antes de assistir ao filme. Aliás, antes de escrever, li algumas resenhas em que  o ‘segredo’ citado no cartaz era mencionado! Falta sensibilidade em quem escreve sem atentar para um detalhe tão simples…

Quem vai assistir ao filme sem  ler nada sobre ele,  pode imaginar inicialmente que O Leitor seja um filme sobre a iniciação sexual de um jovem. No caso, Michael Berg que, na Alemanha do pós-guerra, cruza seu caminho com o de Hanna Shmitz (em mais uma excelente atuação de Kate Winslet). Sem muito romance nem discussão de relacionamento, os dois têm um caso, de curta duração. Mas, o que tem este affair de breve, tem também de intensidade, para Michael. Apesar de ter perdido contato com ela, ele não a esquece. Ao longo dos anos, testemunhamos que as lembranças estão lá, guardadas na mente do introspectivo Michael que, adulto, é interpretado por Ralph Fiennes. (Fico imaginando que a ‘heroína’ deve causar espécie em mães zelosas de jovens adolescentes. Ao mesmo tempo, deve evocar boas lembranças nos espectadores do sexo masculino.)



Mas o filme vai além de um romance erótico. O segredo citado acima é facilmente desvendado bem no início, pelo/a espectador/a atento/a. Porém,  só  quando Michael se dá conta do óbvio, acontece uma virada em sua história pessoal: ele a ressignifica. E, de quebra, descobre que também pode interferir na História. Vive grande angústia frente ao que tem de decidir. Quando o  affair desfeito ganha um novo sentido para ele, o filme muda de gênero. Passamos a espectar seu dilema ético: contar ou não contar a verdade?  Revelando, poderia intervir no curso da justiça. Mas, ao revelá-la, interferiria na escolha de Hanna: teria ele este direito? E, além de tudo, o jovem se exporia  ao sabor do julgamento dos outros, pagando alto preço por isto.

Decidindo por ambos, Michael carrega por décadas o resultado desta escolha. Apenas 20 anos depois consegue dar novo sentido a ela.

Aconselho a quem ainda não viu o filme a não assistir ao trailer para não perder o impacto da trama.



O filme retrata um amor incondicional, cada dia mais raro de ver,  na ficção ou na vida real. Em termos de amar sem exigir nada em troca, assemelha-se a Assédio, de Bertolucci. Sem nenhuma pista sobre  Hanna até metade do filme (não li o livro que, segundo vi comentado na internet, é autobiográfico), não se pode justificar o jeito de Hanna pela criação que recebeu, pelos traumas que passou. Suas justificativas,  tão frias e racionais, são as que  tornariam a ‘operária padrão’, em qualquer tempo, em qualquer empresa, em uma sociedade sem ética ou moral. São razões lógicas – e verdadeiras. Cumpre ordens, sem pensar, sem refletir.

O filme provoca a plateia (O que fazer no lugar de Michael? O quanto é possível – ou se deve – perdoar? O que é ser humano?). Não dá para sair do cinema sem pensar. Por isto, considero todas as indicações  merecidas.  Ficarei, pois, na torcida – mesmo sem ter visto todos os indicados – pelo de melhor filme e atriz. Kate Winslet vem merecendo desde Razão e Sensibilidade o devido reconhecimento formal da Academia. Não por acaso já recebeu o Globo de Ouro por este filme (inexplicavelmente, como coadjuvante) e o Bafta (como melhor atriz). Enfim, está na hora da estrela.


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Thays Babo é psicóloga clínica, trabalha na linha de Aceitação e Compromisso (ACT), atendendo a jovens, adultos e idosos no Centro do Rio e em Copacabana.

O Leitor (ou o preço de um segredo)

2 ideias sobre “O Leitor (ou o preço de um segredo)

  • 25/02/2009 em 16:24
    Permalink

    Tambem adorei esse filme.
    beijão

  • 26/02/2009 em 16:24
    Permalink

    Mucio, eu estava torcendo por ele no Oscar, apesar de todo o meu amor pela Índia … peninha, não ganhou.

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