Já assistiu a Uma Doce Mentira, estrelado por Audrey Tautou? É improvável que você não tenha ligado o nome à pessoa: ela é a atriz francesa que ficou famosa por Amélie Poulain. E também por ter representado Mademoiselle Chanel em um dos filmes biográficos. Não conferi Código da Vinci, mas também foi ela… Se ainda não lembrou, é fácil – olha a fotinho aqui… 😉
Se quiser ver um romance divertido, você vai gostar. Emilie Dandrieux (Audrey Tatou) há pouco inaugurou um salão junto com uma amiga, em Séte, cidade na costa sul da França, super simpática. O negócio fez com que assumissem dívidas altas. Tão imersa em seus próprios problemas, Emilie não mostra o menor interesse ou curiosidade ao receber uma carta de amor anônima. Sem pensar duas vezes, arremessa-a no lixo. Além das contas, Emilie também se preocupa em treinar a equipe – sua recepcionista é um tanto quanto… parva. E, graças a uma situação inusitada, descobre que seu ‘faz tudo’ no salão é bem mais qualificado do que ela. Ele deveria ter um emprego bem mais digno, o que desperta sentimentos de desconforto em Émilie, sobre a sua própria capacidade.
Filha única, Émilie resolve ajudar sua mãe, Maddy (Nathalie Baye, radiante), a recuperar um pouco da sua autoestima. Separada do pai de Emilie quatro anos antes, Maddy continuava inconformada e visivelmente deprimida. Emilie tem ainda a difícil incumbência de anunciar à mãe que o divórcio deverá ser assinado, para que o pai possa enfim casar. Detalhe: a nova esposa, grávida, é mais jovem até do que a própria Emilie, que se incomodava com isto, declaradamente. Até aí, nenhuma grande novidade – já vimos isto acontecer tantas vezes na vida real, não é? Como Amélie Poulain, a protagonista decide fazer algo para tirar a mãe da deprê.
Emilie tem a ‘brilhante’ ideia de usar a mesma carta. Conhecendo bem sua mãe, podia antecipar que ela adoraria receber uma carta de amor. Resgata-a do lixo, digita e …. là voilá! 😉 . O que ela não previa é que Maddy ficaria tão animada a ponto de querer, a todo custo, descobrir quem era o apaixonado autor da carta… Dá para imaginar o tamanho da confusão? Com o passar dos dias, Maddy fica novamente desanimada, sempre à espera de uma segunda carta. Que não viria nunca, se não fosse pela insistência de Émilie em saber o que deprimira de novo a mãe… Emilie se atrapalha mais do que Amélie para tentar consertar as coisas… Obviamente, ela tenta sozinha – a princípio – dar conta do recado, escrevendo uma segunda carta de amor. Só que a mãe, acostumada a ser musa, detecta uma frieza e distanciamento numa carta totalmente fake… Emilie respira fundo para escrever a terceira carta mas de repente tudo foge ao seu controle. A comédia de erros tem início quando sua mãe finalmente acha que identificou o autor… Bem, melhor assistir ao filme e voltar aqui depois. Ou, pelo menos, depois de assistir ao trailer…
É claro que a gente pode sair do filme achando que é, apenas, uma comédia romântica. Mas quem é psi tem o vício de procurar pensar em outros aspectos… Concorda que este é um filme feminino? Vejamos: as duas principais personagens são mesmo Maddy e Émilie. Elas representam o contraponto do velho e novo, da difícil relação mãe e filha, sendo mesmo pessoas totalmente diferentes.
Maddy representa bem as mulheres de sessenta anos de hoje em dia, ‘jovens’ mulheres da chamada terceira idade . Está em crise, às voltas com sua recente solidão e a dificuldade de aceitar que seu projeto de vida não deu certo. Ela rompe um pouco com o padrão das mulheres mais velhas – nossas avós? – que se fechavam totalmente após um luto (em geral por morte, raramente separação, que era raríssimo) e não tentavam novamente, não se arriscavam. Ela, enfim, elabora seu luto e vai atrás da sua felicidade – mesmo que, em alguns momentos, as estratégias (hilariantes) nos pareçam puro desespero. Os espectadores (na maioria, mulheres no cinema) parecem empatizar mais com ela do que com Emilie.
A jovem workaholic , que se congela para dar conta dos negócios e quer seguir sozinha, mal percebe as oportunidades ao redor. O mais triste – psicologicamente falando, não cinematograficamente, ;- ) – é que Emilie também não está tão satisfeita com o que fizera da sua própria vida. Sente-se burra e incompetente em assuntos mais profundos. Tão preocupada em ‘resolver problemas’, cria vários outros e não consegue sair da mentira que criara tão facilmente. Só se aproximando da mãe e assistindo a sua virada, Emilie amadurece e é despertada também. No fim, consegue se transformar.
Ah, e como você responderia a questão colocada no trailer: o que você prefere, uma mentira doce ou uma dura verdade? Na vida real, seria tão fácil relevar a trapalhada que Emilie arrumou?
A vida ensina – ou tenta – que flexibilidade é um talento a ser desenvolvido. Para perdoar uma mentira, facilita um pouco depreender sua intencionalidade. Afinal, mentiras, geralmente, machucam e ‘para quê’ – mais do que ‘por quê’ – é a pergunta fundamental a se fazer diante de uma. Usando de empatia e se colocando no lugar do outro para entender a pessoa à frente, e o que ela busca, os relacionamentos – sejam românticos, familiares ou de amizade – podem mudar. Em geral, pra melhor.
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Thays Babo é psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio
Mentiras, mesmo pequenas e doces, são sempre mentiras… Há quem as conte vez ou outra, por achá-las necessárias, menos duras que a verdade. E atire a primeira pedra quem nunca mentiu… O que mais gostei dessa “Uma doce mentira” foi exatamente o aspecto da flexibilidade que você citou. Se conhecem-se as intenções, torna-se mais fácil perdoar…
“De vrais mensonges” (título no original) é uma comédia romântica graciosa…
Claudia, nossa, levei muitos dias pra ver seu comentário, obrigada! É, a mentira é algo que se torna necessáriO, em alguns casos, para ferir menos. Às vezes é a preferência de quem a escuta, e será que a gente não tem de respeitar? Uma professora minha deu entrevista em um programa da Globonews. Vou te mandar o link, por aqui não está indo…
Beijos