Se você ainda não assistiu a Queime depois de ler, último filme dos irmãos Cohen, melhor parar de ler agora e só voltar depois de ter assistido à mais nova produção da dupla.
Para mim, o filme foi uma agradável surpresa. Já tinha assistido a alguns outros da grife Cohen, mas confesso que estava meio temerosa, frente aos comentários de que era uma comédia de humor negro (tenho sérias restrições a este tipo de humor).
O elenco estelar atrai o público, mas os atores em papéis secundários também brilharam, fazendo valer a pena o ingresso. Destaque para Brad Pitt, um personal trainer totalmente estapafúrdio e sem noção da enrascada em que estava se metendo. Fica a impressão de que ele se divertiu muito ao rodar o filme (dá até pra imaginar as gargalhadas dele se assistindo na telona).
Queime … custa um pouco a decolar. Obviamente, até isto foi calculado – o roteiro merece muitos elogios. Depois que se imprime o ritmo, o filme passa rápido, de forma divertida, usando um humor sarcástico para fazer uma crítica ácida da sociedade contemporânea. Cria tensão onde não há motivo para ficar tenso e nos choca em cenas em que só prevemos graça. E mesmo chocados, não deixamos de rir.
O filme tem a cara da sociedade americana: vários estereótipos estão presentes. E também não deixa de ser uma sátira aos filmes de espionagem, incluindo a eterna disputa entre CIA e FBI.
Sendo este um mundo globalizado, muito do que ali é satirizado também se encontra aqui. São temas da contemporaneidade e o culto exagerado ao corpo é um deles. O filme começa a ganhar ritmo a partir da consulta com o cirurgião plástico (que nem seria um personagem secundário, estaria mais para terciário). E apesar de sua “desimportância”, é ele quem incita Linda em sua busca frenética por dinheiro para as 4 cirurgias plásticas, totalmente supérfluas. Já vimos este filme?
Linda se interessa por migalhas afetivas e busca relacionamentos pela internet, em sites de relacionamento. Possível adepta de slogans do tipo “Go for it“, ao longo das quase 2 horas de filme, passa por cima dos limites do bom senso, da ética pessoal, deixando de lado inclusive valores “intocáveis” como a amizade -tudo para conseguir atingir seu objetivo.
Já o looser Ozzie Cox, por achar que não foi reconhecido profissionalmente e ter sido colocado em disponibilidade, por problemas de alcoolismo, demite-se e planeja escrever um livro de memórias – sem nenhum apoio da mulher, Katie. Katie cai no riso frente aos seus planos, mas não dorme em serviço. Encarnando o estereótipo da mulher bem sucedida, mandona e sabidona, trai seu marido, não só sexualmente mas também financeiramente. Apesar de tanta esperteza, não tem a menor sensibilidade para avaliar o grau de comprometimento de seu amante (interpretado por George Clooney). Este, no entanto, tem um comportamento sexual compulsivo e seu caminho se cruza com o de Linda, que também procura relacionamentos via internet. Há cenas muito engraçadas no relacionamento entre os dois.
A sucessão de confusões e bizarrices remete, de certa forma, às comédias de erros shakespeareanas – não pela leveza e final feliz, mas pelo absurdo das situações em que os personagens se metem. Uma sucessão de erros que não poderia terminar bem – ainda que divirta os espectadores.
A riqueza psicológica das 5 personagens principais mereceria uma análise mais aprofundada. Seus relacionamentos teriam claras indicações para psicoterapia de casal, se fossem na verdade casais. O desconhecimento entre parceiros sexuais (casados ou não) é presente em todas as relações do filme, todos sofrendo de uma cegueira emocional.
São caricaturas de pessoas que conhecemos, comuns. Gente que anda por aí, freqüenta nossos círculos, que quer se dar bem. Gente ambiciosa e hedonista, pessoas que adotam máscaras sociais que não lhes caem bem. Algumas, com o intuito de ir além dos limites, em busca de uma pretensa felicidade.