Em 2011, Incêndios foi indicado a Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dirigido por Denis Villeneuve, que também fez o roteiro adaptado da peça de Wajdi Mouawad, aclamado pela crítica, retrata uma realidade extremamente violenta. E eis aqui revelado o porquê de eu não o ter assistido: evito ao máximo filmes que eu saiba de antemão que sejam violentos (e aí incluo também os brasileiros como Cidade de Deus, Tropa de Elite 1 e 2 ), mesmo que sejam fiéis à realidade. Adotei este procedimento como medida preventiva, a partir de ensinamentos budistas, pra não ficar estressada. Afinal, moro no Rio de Janeiro, cidade que por si só já é um estresse só.
Um amigo, que não compartilha destas ideias, viu e adorou. Como eu não iria assistir e tampouco resenhar, solicitei que ele colaborasse, escrevendo o filme. Então, leia em seguida o texto de Henrique Zalt e fique à vontade para palpitar por aqui, acrescentando novos elementos.
Os gêmeos Simon e Jeanne Mawan, adolescentes canadenses, se veem diante do testamento de sua mãe, a imigrante libanesa, Nawal Mawan, que há muitos anos se estabeleceu no Canadá. Neste, a mulher revela que tinha deixado um filho no Líbano, pedindo a eles que tentem encontrá-lo. O pedido inclui ainda que encontrem o pai deles, gêmeos. Jeanne vai ao Líbano atrás do passado desconhecido de sua mãe, munida apenas de sua foto quando jovem e algumas palavras em árabe pintadas ao fundo. Com ela descobre a cidade, a Universidade, e lentamente algumas partes do passado de sua mãe. A seguir, o trailer do filme
Nos anos 70, Nawal era uma adolescente árabe cristã, vivendo numa aldeia no Sul do Líbano, quando eclodiu a guerra entre libaneses cristãos e palestinos mulçumanos refugiados. Sua avó descobre que ela, solteira, estava grávida de um palestino – o que seria uma dupla desgraça para a família. Depois de ficar escondida durante toda a gravidez, ela promete a avó que vai estudar e seu filho é dado para adoção logo após o nascimento. O pai da criança, seu namorado, é morto para honrar o nome da família . Com isto, o espectador já tem uma pequena mostra do ódio que impera entre os povos que habitam o Sul do Líbano.
Já na faculdade, poucos meses depois, a guerra entre cristãos e mulçumanos é declarada e total. Nawal volta pra sua aldeia. No caminho, depara-se com o terror da destruição de aldeias cristãs e casas incendiadas, inclusive a sua. A instituição onde ela achava que seu filho fora adotado também tinha sido incendiada. Milícias cristãs partem para vingança e saem matando indiscriminadamente qualquer civil mulçumano que encontram no caminho, inclusive mulheres e crianças.
Todo o Sul do Líbano está em chamas. Mawan fica estarrecida com a matança indiscriminada de civis e se voluntariza para matar o chefe político das milícias cristãs – apesar dela mesma ser cristã. É presa depois de conseguir seu intento, ficando em cativeiro cristão durante 15 anos. Foi torturada e violentada várias vezes. Teve os gêmeos, que foram escondidos e salvos pela parteira. Quando libertada, foi enviada ao Canadá com os filhos por uma instituição mulçumana que lhe deu apoio e lá criou seus filhos até morrer.
Simon junta-se à Jeanne nesta procura e ambos voltam ao Canadá sem saber o paradeiro exato de seu pai ou mesmo de seu irmão. No Canadá, a história então tem um final assustador. No filme, o diretor, Denis Villeneuve, mostra toda a crueldade, de uma guerra fratricida, contemporânea, vivida há bem pouco tempo. Período pós guerra fria e o fim da polarização política Estados Unidos-União Soviética , onde vários povos diferentes que unidos sob a bandeira da União Soviética, Yugoslávia, Tchecoslováquia partiram para uma guerra nacionalista fratricida e hegemônica, nos Bálcãs e nos arredores russos.
No elenco, alguns atores conhecidos como Remy Girard (o tabelião que acompanha o testamento e sua execução) dos filmes O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras. Quem se atém a detalhes, poderá notar que os hospitais canadenses continuam superlotados e mantendo os pacientes nos corredores, como criticava o professor interpretado por Remy Girard nestes filmes, onde ele se arrependia por ter lutado por uma Saúde Pública e Universal, no Canadá.
O diretor Dennis Villeneuve mantém o clima de terror da guerra, vista sempre pelos olhos dos atingidos por ela: civis, crianças e mães. Mostra Beirute, que era a cidade árabe mais ocidentalizada pelos seus costumes e sua liberdade religiosa, totalmente destruída pelo fogo. Mostra também o clima ainda reinante, quando Jeanne visita as vilas cristãs e mulçumanas e é hostilizada quando cita o nome de sua mãe, como bem se vê no trailer.
A consequência desse ódio é que o Líbano até hoje continua dividido, desunido, e em uma disputa política sem fim, em estado de vigília onde líderes e políticos podem ser mortos a qualquer hora em atentados. Lá, uma guerra está sempre pronta a explodir.
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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica e atende no Centro do Rio
Incêndios
Acabamos de assistir ao filme eu e minha filha e como cinefilo que sou fiquei extremamente grato pelo resultado. Eh um filme violento sim, mas sem exageros e eh o que se passa naquela regiao a muito tempo. Triste e vermos cristaos em guerra civis e sem medidas para atos de crueldade sem fim. Cheguei ao seu blog para tentar decifrar se falavamos da Palestina ou Libano. Acima, encontrei a resposta. Legal! Abracos William
William, se gostou desse filme, aconselho também ver “Antes da Chuva” que aborda o mesmo tema. Rodado na Macedonia e na Inglaterra,mostra o que foi a divisão territorial da Iugoslávia depois da desintegração do Império Soviético. Os dramas humanos de famílias cristãs ortodoxas e mulçumanas albaneses que antes dividiam pacíficamente os mesmos territórios e conviviam em harmonia e que foram obrigados a se separar pelas diferenças religiosas. Quando a violencia explode, o filme mostra o confronto dentro das famílias que optam por viver pacificamente com os vizinhos e os que querem a segregação e o confronto.