“É desconcertante rever o grande amor“, já disse Chico Buarque em Anos Dourados. Quem já teve um grande amor sabe bem como reencontrar alguém muito significativo no passado pode abalar mesmo os relacionamentos estáveis. Mesmo que aconteça por acaso, como em “Apenas uma noite” (Last Night), filme de 2010 , disponível no Youtube e no Now.
Joanna (Keira Knightley) e Michael (Sam Worthington) formam um jovem casal que mora em Nova Iorque. Entram em crise quando ela conhece a nova colega de trabalho do marido, Laura (Eva Mendez), às vésperas de uma viagem de negócios em que ambos irão juntos. Enquanto Michael viaja com Laura, Joanna reencontra, por acaso, um ex-namorado, Alex (Guillaume Canet).
De forma semelhante ao excelente filme Closer, Last Night pode ser espinhoso para casais espectadores que estejam em crise e não tenham boa capacidade de diálogo. Também pode servir aos casais corajosos como filmoterapia, facilitando a discussão sobre fidelidade. Assiste-se, com certa apreensão, como se faz a escolha amorosa que, muitas vezes, demanda renúncia.
Por que escolhi este filme “antigo”? Pela importância que a fidelidade assume para os casais – estejam ou não em psicoterapia. Antes mesmo de se comprometerem, a fidelidade deveria ser corajosamente abordada. Não sendo um consenso universal, o que uma pessoa considera infidelidade, não é nada demais para outra. Se os valores de cada um forem (re)conhecidos, o casal pode ter muito mais harmonia e confiança – em si e na relação.
Exemplo: há pessoas que julgam que a mera fantasia constitui infidelidade. Sofrem muito, pois querem vigiar a mente do/a parceiro/a – e às vezes investigam tanto que magoam e podem colocar em risco uma relação em que o outro é fiel. Há quem diga que só há traição quando há troca de fluidos. Algumas pessoas acham que omitir algo do passado também constitui traição.
É questionável que todos os desejos tenham de ser compartilhados e confessados – embora possa fazer parte do pacto do casal, nem sempre se poderá ter certeza do que a outra pessoa declara. Da mesma forma, será que o passado afetivo-sexual tem de ser destrinchado quando se entra em uma relação estável, como o casamento? O dito e o não dito, mesmo que sejam só desejos – ou fatos do passado – constituem traição? Tais questões são polêmicas e muitas vezes podem ser as motivadoras da terapia (tanto de casal como individual).
A abertura para diálogo e a comunicação, cuidadosa e respeitosa, são fundamentais para o relacionamento amoroso ser duradouro e também satisfatório. De acordo com as estatísticas mais recentes do IBGE sobre divórcio no Brasil, muito se precisa trabalhar o diálogo entre as pessoas que se propõem a viver uma relação compromissada. E, se não puder ser para sempre, que pelo menos seja muito boa enquanto dure.
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Thays Babo é Psicóloga Clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP). Atende a jovens e adultos em terapia individual ou de casal, no Centro do Rio e em Copacabana