Woody Allen não é mais unanimidade de público e crítica há algum tempo. Perdeu muito público por conta do escândalo na separação de Mia Farrow.
Se você conseguir separar autor da obra e abstrair esta conduta (afinal, a gente não sabe os detalhes da história), seu talento estava a pleno vapor em Meia noite em Paris .
Resuminho
O sightseeing da Cidade Luz nos minutos iniciais já faz valer assistir ao filme.
A locação é maravilhosa, o elenco brilhante. Mas, vamos à história.
Filmoterapia
Gil (Owen Nielsen) se parece com vários outros personagens de Allen, mesmo não protagonistas. Como também se parece com muitos espectadores, por falar de momento de fazer escolhas, optar por riscos, empreender mudanças.
A encruzilhada de vida em que Gil se meteu, independe da localização temporal ou geográfica – é quase arquetípica.
Ele e sua noiva, Inez (Rachel Adams), estão em Paris. Logo a gente vê que são como água e óleo e a gente se pergunta o que os juntou. Não compartilham interesses em comum e nem mesmo têm um modo de ver o mundo sequer semelhante. Talvez apenas a cama seja o ingrediente que a gente não vê. Apesar dele a definir como um ‘vulcão’, não há nenhuma cena sensual.
Em Paris, Inez parece mais interessada em passeios. Ah, e, claro, no anel de noivado. Super pragmática, vem de uma família bem sucedida, difere bastante de Gil que é um sonhador – bem sucedido, sim, mas prestes a jogar tudo pro alto. A ideia de acompanhar a família dela em uma viagem de negócios permite antecipar algumas das crises que teriam, talvez, ao se casarem.
Escolhas existenciais
Cheio de referências ao mundo das artes, tantas citações e piadas mascaram o problema existencial que Gil enfrenta: para onde ir? Abrir mão das conquistas, da segurança e jogar-se atrás de um sonho, ficando em Paris? Ou voltar e se resignar no conforto e segurança já conseguidos em Hollywood? Na filosofia existencial, Gil estaria em uma existência não autêntica, no ‘lá e então’ , não conseguindo se encontrar no ‘aqui e agora’. Felizmente, Allen não é psicólogo e, ao invés de ser contaminado pelo ‘pessimismo existencialista’ (característico do pós-guerra), trata este ‘caso clínico’ com o melhor remédio que tem: o humor. Em Melinda, Melinda, ele já mostrara que é possível ver a vida como drama ou como comédia. Neste filme, opta pelo tom de comédia para mostrar a trajetória de Gil, a quem dá uma overdose de anos 20, época em que o escritor localiza a Era de Ouro. Para isto, Allen recorre ao fantástico e ‘convoca’ pintores, músicos e escritores dos início do século 20, em Paris , para influenciar e inspirar o atormentado americano.
Em paralelo, Allen aproveita para dar uma espetadinha nos pseudointelectuais, em um personagem muito interessado em mostrar o quanto sabe de tudo. Muitas vezes superficialmente, mas cheio de arrogância. Afinal, impostores intelectuais adoram falar de forma convicta para convencerem melhor…
Assista ao trailer – este não entrega muito.
A Era de Ouro deve fazer parte do inconsciente cultural – afinal, quem não conhece alguém que vive preso ao passado, imaginando que seria mais feliz se tivesse nascido e vivido em outra época que não a sua? O diretor mostra de forma bastante criativa a jornada do personagem até chegar no tempo em que deve ficar. Bem, não posso escrever mais sobre o filme, sem estragar… Então, aguardo os comentários para trocarmos impressões.
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Thays Babo é psicóloga clínica, Mestre em Psicologia pela Puc-Rio e atende em Copacabana, no Rio de Janeiro
Nossa, há muito o que comentar sobre este filme. Concordo com vc que desde Match Point (que eu ainda considero um dos top 5 de Allen) nao assistia a algo tao bom do diretor. Uma coisa que eu destacaria é que Owen Wilson, para mim, nunca foi um ator de destaque, mas Allen arranca dele um desempenho muito bom (eu achei). Parecia que eu estava vendo o proprio Allen mergulhado em seus conflitos. Tambem adorei o pseudo intelectual e o prestigio que ele consegue com o que, para alguns autores da minha area, sao os burgueses “filisteus”, ou seja, aqueles que desejam angariar conhecimento apenas para competir com os verdadeiros detentores do capital cultural. Mas, o tempo, pra mim, foi o personagem central do filme, e isso fica bem claro quando Adriana, a personagem de Coutillard, decide que bom mesmo eh a Belle Epoque. Cada um com o tempo magico de suas paixoes, a literatura para um, o glamour e a moda para a outra. Genial. Sao as nossas referencias… e por que o passado é tao desejado? Parece que sempre temos a fantasia de captar o tempo, agarra-lo de alguma maneira, ateh pela consciencia da finitude. Mas cultuar o passado tem tambem toda a identificaçao com o espirito do tempo que fica no imaginario. Já tive a oportunidade, por exemplo, de conhecer uma menina que me disse: “tenho a impressao de que cheguei atrasada para a festa”. Ela se referia ao fato de ter a nossa idade e nao ter vivido intensamente a decada de 1960 com toda a sua turbulencia (mesmo o Brasil estando sob uma pesada ditadura militar). Quem viveu esta epoca nao tinha consciencia nenhuma deste glamour. Quando vi o depoimento do Chico Buarque em Uma Noite em 67, tive a certeza disso. Eles nao tinham a menor ideia de estavam fazendo um momento glamouroso na historia. Enfim, se Allen ainda quando erra, acerta, quando acerta entao…
Solange, gostei de tudo o que você disse e concordo… Bem interessante a sua ideia de ser o tempo o condutor do filme… E de nossas vidas, também, né? Em geral é o que dispara algumas crises na vida de todos nós, ao percebermos como escoa…
beijos e obrigada pelo comentário – desculpe a demora em ter respondido!!!