Uma das coisas mais difíceis na vida de todos nós é lidar com o envelhecimento. Parece que só os outros envelhecem, criam rugas, ficam grisalhos, engordam, ficam carecas… Neste ponto, as mulheres contam com maior aprovação social para tentarem disfarçar os sinais do tempo. Mas também se angustiam mais com o olhar do outro.
Quando se é criança, chegar aos 30 é sinônimo de ser ‘coroa’. Na verdade, até os 20 anos, a virada para a terceira década de vida é algo inimaginável, parece tão distante… E aí a gente se dá conta de que “o relógio do tempo” disparou. O personagem Ivan Ilytich, de Tolstoi, se assusta quando percebe que quem envelheceu e adoeceu é ainda o mesmo pequeno menino, que jogava bola. Sente o descompasso entre o que o corpo é e como se sente, jovem ainda.
No filme Celebridades, de Woody Allen, o personagem de Kenneth Branagh se depara com o envelhecimento, mas através de seus amigos, ao revê-los em uma festa.
Em pleno século 21, há um bombardeio com a mensagem de que só a juventude é bela. Aliás, isto vem da Antigüidade, mas naquele tempo a vida era relativamente curta. Agora, a medicina avança, prolongando-a, trazendo o que se chama de ‘maior qualidade de vida’ e iludindo a todos, como se fosse possível prolongar a juventude eternamente.
Ao achar que é eterna, nega-se a passagem do tempo, usam-se todos os recursos para tratar da fachada e se esquece o que vai por dentro. E é justamente o que vai por dentro que repercute na beleza e juventude da alma. Temos de estar no mundo, estando em todas as atividades que impuseram para a “terceira idade”, nos desesperando com a solidão que bate, nos apavorando com a nossa opção de ficar em casa, sós, refletindo. Introspecção tornou-se ser para muitos um sinônimo do rótulo “depressivo”. E a ordem, a normatização prescreve que se combata com medicação. Em outras palavras, se antes a pessoa idosa era quase proibida de ir para a rua, agora se sente na obrigação de estar antenada com tudo. E sofre quando se sente “atrasada” em relação às novidades. Saímos da prisão de um modelo para nos aprisionarmos em outro.
Em um artigo de 1979, Guggenbühl-Craig fala do “arquétipo do inválido”, que tentamos negar tanto em nós mesmos como nos outros. Se este arquétipo for entendido e vivenciado de forma positiva, traz grande sabedoria e crescimento. Se negado, pode se tornar bastante destrutivo (como acontece com os demais, ao serem reprimidos). O mais difícil, talvez, é percebermos que todos somos, em algum nível, inválidos. Se esta palavra lhe incomoda, use “imperfeitos”.
A Medicina (e demais “aliadas” como a Psicologia, a Estética etc) querem dar conta desta imperfeição – no que ele chama “complexo de Deus”, intimamente ligado ao “arquétipo da saúde”, que “(…) transparece no fanatismo com o qual a saúde é cultivada. Ela é perseguida com convicção religiosa e dogmatismo”.
Ao longo do artigo, são feitos vários questionamentos sobre o nosso modo de viver na contemporaneidade, ligando perfeição à totalidade. Com tantos recursos tecnológicos, científicos, tentar ter o controle total está fadado ao fracasso.
E se, como o autor aponta brilhantemente, “sofremos continuamente de uma permanente imperfeição limitadora”.
O que fica como desafio, então? Simples assim: aprender a lidar com as imperfeições e finitude é a arte. A arte de viver no aqui e agora.