O amor mudou muito nas últimas décadas, mas muitas crenças  românticas persistem. 

Firmes e fortes, seguem prejudicando os relacionamentos amorosos.

Na era digital, homens e mulheres ainda divergem bastante em suas expectativas sobre seus relacionamentos amorosos. Talvez isto se deva ainda à diferença na educação de meninos e meninas, levando a dificuldades, na vida adulta.  

Os relacionamentos amorosos após o movimento romântico

Fazendo uma breve retrospectiva, é bom lembrar que, ao longo de séculos, os casamentos eram negociações entre famílias.  Com o início do Romantismo, os casamentos passaram por uma transformação: o amor foi incluído como critério de decisão.

Assim, a atração sexual, o amor à primeira vista, a taquicardia que alguém desperta, frisson e desejo de ficar juntos, passaram a ser motivadores para começar e manter o relacionamento.

Paixão não é amor

E tudo bem. Só não confunda uma coisa com a outra. E nem espere muito da paixão – ela passa.

O estado de apaixonamento é muito confundido com o que é amor. É bem mais fácil explicar o que é paixão – inclusive em termos neuroquímicos. As definições do amor são infinitas.

Pela confusão entre paixão e amor, quando os “sintomas” da paixão diminuem, muitas pessoas acham que o amor acabou.  Na verdade, pode nem ter existido. 

Crenças do amor romântico

Allain de Botton, filósofo suíço, fundador da The School of Life, faz duras críticas ao romantismo. Para ele,  o romantismo matou o amor. Segundo sua visão,  para os casamentos realmente ‘funcionarem’ é preciso abandonar os ideais românticos – que são bastante rígidos.

Crenças românticas de que “o amor tudo pode”, que os amantes podem ser ‘felizes para sempre’ ou que casais felizes não discutem” não se confirmam no teste da realidade.

Casais felizes e ajustados discutem, sim. O segredo é saber como. Mas são muitos os casais que  se questionam se vale a pena permanecer juntos, ao final da paixão. 

Ter uma escuta respeitosa faz a diferença; saber como reparar o estrago eventualmente feito, também. 

Tais crenças irrealistas prejudicam os relacionamentos, acendendo alertas desnecessários: ‘pessoas que se amam não sentem raiva’, ‘quem ama não sente atração (sexual) por mais ninguém’, ‘quem ama não trai’, ‘pessoas que se amam adivinham os pensamentos uma da outra’, ‘quem ama não faz sofrer’…

Certamente há várias outras que atrapalham mais do que ajudam. Outra fantasia romântica é de que se conseguirá “mudar” o/a parceiro/a, sem que ele/a queira. Quem casa com esta expectativa, tem altas chances de se decepcionar

A comunicação faz a diferença – mas, como se fala?

Assim, muitos casais desistem do relacionamento amoroso, por inflexibilidade e dificuldade de comunicação. Há o medo de se expor e mostrar sua vulnerabilidade – mas esta é uma condição do amor.

Se a  comunicação ficar bloqueada, dificilmente a mágoa será diluída espontaneamente. Os problemas poderão não ser resolvidos, mesmo havendo ainda amor. Afinal, como diz o título do livro do criador da Terapia Cognitivo-Comportamental, Aaron Beck, o amor nunca é suficiente

Problemas do dia-a-dia

No auge do amor e da paixão, muitos casais se empolgam tanto com a ideia de estarem juntos que não dialogam sobre temas espinhosos. Casam-se até sem conversarem sobre seus valores individuais.

Alguns destes assuntos que deveriam ser abordados antes de oficializar a união, para evitar estresse, surpresas e decepção são: 

  • a infidelidade (real ou imaginada);
  • a sexualidade/vida sexual – desejos, hábitos e expectativas –  Quem acredita como verdade absoluta que o amor é antídoto para desejar por outra pessoa, se surpreende ou decepciona  ao descobrir que o/a parceiro/a (ou ela mesma) sente desejo por outra pessoa;
  • finanças – como administrar os recursos e as despesas
  • filhos – ter ou não? como educá-los?
  • uso e abuso dos smartphones, aplicativos e redes sociais – a facilidade de encontrar parceiro/a/s – antigo/a/s  ou novo/a/s – gera muita insegurança e ,com isto, tentativas de controle. Além disto,  o tempo que se fica online não é investido na relação;
  • saúde mental – transtornos como ansiedade,depressão, bipolaridade ou outros afetam , especialmente se não tratados;
  • família de origem – a interferência, proximidade e cuidados dispensados, bem como o adoecimento dos parentes idosos.

Poucos casais conversam, previamente, de forma aberta e sincera, sobre o que farão caso uma das partes – ou ambas – vier  a ter algum envolvimento (ainda que virtual) com outra pessoa. Talvez seja uma crença mágica de que, não falando, a infidelidade não acontecerá. Ou talvez seja ansiogênica demais a ideia de que o desejo sexual não se extingue ou pode estar além da pessoa agora amada, com quem se planeja uma relação estável.

Na prática, muitos destes aspectos se misturam. Assim, tanto a terapia de casal  como a terapia pré-matrimonial constituem importantes  recursos ao propiciarem  ferramentas emocionais para a manutenção do vínculo saudável.

Por serem temas  são desconfortáveis, o  setting terapêutico  costuma ser o único lugar onde  haverá uma escuta compassiva, mediadora, reflexiva.

A terapia de casal – ou pré-matrimonial – é diferente do papo com os amigos

Amigos e amigas, parentes e sacerdotes se posicionam. Aconselham e opinam. A maioria não consegue ser neutra ou imparcial e só ouvir.  Após opinarem, muitas  pessoas cobram atitudes e mudanças de comportamento, não entendendo as escolhas do casal.

Viver a dois já é difícil. Tentar agradar a rede de amigos e parentes, testemunhas das divergências é impossível – e  um problema a mais. E muitas vezes a  própria rede de contatos é parte da crise enfrentada,  por interferir na rotina do casal. 

A comunicação deve ser empática, compassiva. Se o estilo de comunicação  de um (ou de ambos) for predominantemente  agressiva, passiva, ou passivo-agressiva, a chance do relacionamento durar, de forma satisfatória, diminui, como falam os pesquisadores do The Gottman Institute, John e Julie Gottmann. 

Valores do casal 

Os valores pessoais devem ser debatidos tanto quanto  os do casal que se forma também. O casal estabelece acordos, negocia e  pode se engajar em ações compromissadas com os valores em todas estas áreas.  

Dos assuntos mencionados talvez o que gere mais mágoa seja a infidelidade.

Por não ser discutida previamente, a pessoa traída, muitas vezes não tem muita abertura para o diálogo para entender o que aconteceu e,  muitas vezes, ao tomar ciência do fato já parte para a  separação. A decepção muitas vezes impede o diálogo e, consequentemente, o perdão. Quem desiste do relacionamento e procura outro, sem ter analisado o que ocorreu, pode novamente se decepcionar. Não só porque não encontra a suposta metade da laranja logo à frente, mas porque não consegue reconhecer primeiramente que seres humanos são imperfeitos e que é preciso diálogo.

Créditos: Unplash
https://unsplash.com/@armedshutter

Felicidade dá trabalho“, já dizia João Cabral de Melo Neto. Há casais que se separam se amando, sim, porque não conseguem o básico: ouvir o que o outro tem a dizer, sem atacar, com compaixão e amor.  E Allain de Botton também diz: “O amor dá trabalho”. Mas, enfim, tudo o que vale a pena e é significativo demanda esforço. Conscientize-se disto. 

Como a terapia de casal ou pré-matrimonial pode ajudar

O  padrão de comunicação do casal é um forte indicador da qualidade da relação. E, para os Gottman, estudiosos de relacionamentos amorosos, observar como o casal se comunica possibilita prever se ele ficará junto ou não. 

Tanto na  terapia de casal como na terapia pré-matrimonial  as   habilidades de comunicação do casal deverão ser trabalhadas, bem como a flexibilidade psicológica. Afinal, ela é uma das condições da saúde mental – em especial para a Terapia de Aceitação e Compromisso – é a , que também se desenvolve ao longo do processo psicoterápico. 

Assim, é importante mudar a crença de que recorrer à terapia seja o último recurso‘ ou de que é só ‘para oficializar a separação’. Na verdade, quando um casal busca ajuda psicoterapêutica é porque reconhece que não está conseguindo lidar com aspectos importantes no seu dia-a-dia sozinhos. E se compromete a fazer mudanças, juntos. Isto não significa que casais que não procuram não são, por si só, mais felizes. Muitos casais adiam buscar profissional e, segundo pesquisas,  levam, em média, 6 anos após começarem os problemas. Por terem passado do ponto, veem-se como fracassados e as chances de insucesso são grandes, contribuindo para manter a crença. 

Pessoas que hesitam em oficializar o relacionamento começam a buscar  terapia pré-matrimonial, que se assemelha à terapia de casal tradicional. Ao contrário do que pessoas refratárias à terapia imaginam, a terapia pode aumentar as chances da relação ser satisfatória. Gastam-se tempo e dinheiro preciosos nos preparativos da cerimônia de casamento, discutindo lista de convidados ou reformas, mas não se tem o mesmo cuidado de se preparar para a relação, não se fala sobre o que é inaceitável – ou esperado – na relação diária.    Valores pessoais e  projetos de vida serão compartilhados, fatores que costumam ser estressores na vida a dois podem ser trabalhados na terapia pré-matrimonial, que é basicamente preventiva e de curta duração.   

Enfim, a terapia de casal possibilita melhorar e caminhar na direção do que  pessoas realmente compromissadas entre si valorizam e querem. Eventualmente,  pode ser um recurso para finalizar harmoniosamente um relacionamento, sem que se torne um litígio. Então, se o seu relacionamento não tem sido o que você e seu/sua parceiro/a imaginavam, deem-se uma nova chance: experimentem a Terapia de Casal ou a Terapia Pré-Matrimonial.

Referências

Beck, A. T (1988). Love is never enough. New York: Harper & Row

Harris, R. (2009) ACT with Love: Stop Struggling, Reconcile Differences, and Strengthen Your Relationship with Acceptance and Commitment Therapy. Oakland: New Harbinger Publication.

Walser, R. D; Westrup, D (2009) – The mindful couple – how acceptance and mindfulness can lead you to the love you want. Oakland: New Harbinger Publications.

________________________________________

Thays Babo é Psicóloga Clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP). Está concluindo a formação em Terapia do Esquema.

Atende a jovens e adultos em terapia individual, terapia pré-matrimonial ou de casal, em Copacabana.

Durante a pandemia de coronavírus os atendimentos estão sendo realizados prioritariamente online. 

O amor pode ser prejudicado pelo romantismo? Pode.