Sendo Almodóvar um dos meus diretores de cinema favoritos, não é de se estranhar que, assim que pude, fui conferir seu filme mais recente, Abraços Partidos, que finalmente estreou no Rio, depois da exibição no Festival, em outubro.
Não sabia muito a respeito do filme, nem tinha conferido os trailers (muitas vezes, eles ‘estragam’ o filme, mostrando as melhores cenas, fazendo com que o fator surpresa desapareça, ou usando cenas que, editadas, nem entram no filme. Pior ainda quando fazem o filme parecer mais atraente do que é, na verdade). Além da presença de Penélope Cruz, sabia apenas das referências ao Mulheres à beira de um ataque de Nervos e que era sobre um cineasta que perdia sua musa em um acidente de carro.
Assisti e gostei. Antes de escrever, no entanto, li na internet comentários, tanto da mídia como em blogs . Muitos o situam como um Almodóvar ‘menor’. Dentre estes, alguns ressalvam que mesmo um ‘menor’ é ainda superior à maioria das películas em exibição por aí – e nisto concordo totalmente. Na minha opinião de não cineasta, no entanto, este não é um Almodóvar ‘menor’. Apesar de Abraços não estar, a meu ver, no mesmo nível de um Fale com ela – este sim, para mim, a sua obra-prima, até agora – ele é realmente muito superior à profusão de bobagens que se veem na tela. E, afinal, quantas obras primas alguém consegue fazer na vida? 🙂
Vários olhares e leituras são possíveis sobre este filme. Um resumo simplório seria ‘Abraços Partidos retrata como a obsessão de dois homens por uma mesma mulher pode ser destrutiva’. Outras possibilidades seriam: ‘Almodóvar mostra como as relações entre filhos e seus pais podem ser determinantes tanto na vida destas, prolongando-se mesmo depois da morte’. Ou ter como subtítulo “o poder (destrutivo?) dos segredos”. Ou “como o ciúme pode ser um monstro venenoso”. Um crítico cínico poderia dizer ainda que “o amor cega” e psicólogos poderiam usar o filme para exemplificar como “a culpa não serve para nada, a não ser destruir as pessoas, corroendo os vínculos e por dentro ao longo de nossas vidas”.
Enfim, Almodóvar junta todas estas questões em um só filme. Suas marcas, presentes ao longo da sua carreira, estão lá: o colorido esfuziante, os saltos altos, alguns dos atores com quem já trabalhou. Aos dois principais, Penélope Cruz e Lluís Homar (não muito conhecido por aqui, que atuou em Má educação), juntam-se Lola Dueñas (que representou a irmã de Penélope, em Volver) e Rossy de Palma, em uma ‘pontinha’ (em referência a seu próprio filme que o tornou famoso aqui no Brasil, Mulheres à beira de um ataque de nervos. Pode ser apenas um auto-elogio mas não deixa de ser engraçado).
Portanto, não é um filme tão simples como pode parecer à primeira vista. Certamente podem-se pensar vários outros aspectos, inclusive em sua homenagem ao cinema, pela presença de várias ‘citações’. Sente-se um clima ‘hitchcockiano’ no desenrolar da história. E não faltam pinceladas de humor também, em doses pequenas, precisas para não diluir a tensão, como na cena em que o diretor ouve a sinopse de um novo filme de vampiros. Ou quando a produtora amiga de Mateo confessa um segredo longamente guardado ao filho, que diz o quanto era um segredo ‘óbvio’. A forma com que Almodóvar explica todos os mistérios, rapidamente no final, lembra até as novelas brasileiras, em que tudo se resolve no último capítulo. Para aqueles que acharam o filme longo demais, pode ser um ponto crítico…
(Se você ainda não viu o filme, melhor conferi-lo ANTES de continuar a leitura, para não saber o desfecho. Se viu, relembre com este trailler, com pedaços de legenda…)
O que salta como trama principal é a obsessão de Ernesto pela sua jovem secretária, Lena (Penélope Cruz). Aspirante à atriz, eventualmente fazia programas para cobrir suas despesas. Em um momento crítico, cede às investidas do patrão, rico e poderoso, que a ajuda a resolver os problemas de família. Vai então viver com Ernesto mas ela se mostra entediada, querendo trabalhar e voltar a tentar sua carreira. O empresário que tem um filho de um dos seus casamentos anteriores, que rejeitava por conta de sua homossexualidade, o incumbe de acompanhar Lena, que finalmente consegue um papel em um filme do diretor Mateo Blanco(Lluís Homar). Ernesto Pai, querendo manter a mulher a seu lado, resolve controlar a situação, produzindo a película. Em pouco tempo, Mateo e ela se envolvem amorosamente e tudo é documentado no ‘making of’ rodado por Ernesto Filho. Somente em retrospectiva é que sabemos do drama, causa mortis de Lena.
À morte de Lena, se soma a cegueira de Mateo, que assume o pseudônimo Harry Caine (que, na pronúncia espanhola, parece “hurricane”, ciclone em inglês – ou ainda tempestade). Harry nunca assistiu ao filme que abandonara antes de finalizar, para fugir com Lena. E só depois de 14 anos do acidente as peças se encaixam possibilitando que enfrente o passado e reassuma seu nome de verdade. O pensamento Kierkegaardiano (“A vida só pode ser entendida em retrospectiva. E só pode ser vivida olhando-se pra frente”) talvez seja a melhor expressão da missão que o Harry Cane/Mateo Blanco tem pela frente, para honrar seu passado. De uma forma bem sutil, o recado, como em Fale com Ela, ainda é a urgência do diálogo. Clarificando as situações fatalidades podem ser aceitas para, a partir daí, se seguir em frente.
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Thays Babo é psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende no Centro.