Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

29/12/2020

Solitude vs solidão

Você sabe distinguir solitude de solidão? Paul Tillich, filósofo e teólogo americano, esclareceu:

A linguagem (…) criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho”.

Para os existencialistas, a solidão é um presente da existência. Estamos todos sós. Nossas emoções, só nós sentimos.

No entanto, temos parceiros de jornada. Testemunhas da nossa vida, que podem ser valiosas companhias.

Com a ênfase no amor, é possível ter momentos de solitude?

Nos últimos séculos, o amor se tornou uma das questões centrais na vida do ocidental. A ponto de ser confundido e restrito ao relacionamento amoroso romântico .

Assim, fica difícil entender que estar só pode ser uma escolha. Não se aceita bem o prazer da solitude. Entende-se como solidão, que é mal vista e considerada preocupante.

A pessoa solteira, muitas vezes, se sente mal, julgada, solitária. Solitude frequentemente é interpretada como solidão.

E pode levar à anuptafobia. Que é o medo de não casar.

Pressão para casar

As famílias surgiram inicialmente por fins de sobrevivência. A religião controlava, não só por fins religiosos mas também econômicos. Era bom para o Estado, até para a formação de exércitos. Não é muito romântico… Mas ainda funciona assim em algumas sociedades.

Em pleno século 21, ainda há quem considere que as pessoas devem se fixar  em um relacionamento amoroso. Casar, ter filhos. Como se fosse um mesmo propósito de vida para todos.

Na verdade estar casado(a) não é atestado de sanidade mental.

Mesmo sem dados estatísticos a pressão é maior sobre as mulheres em idade reprodutiva.

Porém, homens também são pressionados. Pela vantagem biológica de poderem ter filhos até mais tarde, podem ficar mais à vontade. Mas, a sociedade preconceituosa começa a fazer inferências sobre orientação sexual dos homens que permanecem solteiros depois dos 40 anos.

Ser casado não é necessariamente saudável

Relacionamentos longos não necessariamente são saudáveis. Podem ser desprazerosos ou até tóxicos. Muitos casais não ousam se separar para não enfrentar questionamentos. Ou perder o status social.

Ainda, pior: acreditam mesmo que  não ter ‘alguém’ indica algum problema. Ou simplesmente temem estar só.

Riscos de não suportar estar só

Indo mais além, há pessoas que não suportam ficar sozinhas. Mesmo estando em um relacionamento amoroso, se seu par precisa se ausentar, ficam ansiosas. Sentem-se incompletas ou abandonadas.

Podem até ficar furiosas – mesmo que a situação de afastamento seja compreensível ou inevitável.

Pessoas com esquema de abandono ou privação emocional sentem mais o afastamento do par. Por não suportarem a solidão, arriscam-se mais: podem escolher mal o parceiro ou parceira. Para evitar estar só, preferem permanecer em relacionamentos tóxicos.

Há alguns anos foi encenada uma  peça intitulada  “Não sou feliz, mas tenho marido”. O título bem humorado brinca com quem acredita mesmo que não estar com ‘alguém’ indica algum problema.

Solidão na pandemia

A pandemia do coronavírus provocou uma parada, que pode ser estratégica. Esta pode ser a hora para analisar a sua vida e tentar torná-la mais satisfatória, mais de acordo com seus valores.

Alguns casais resolveram que era a hora de se unir. E outros, apesar de toda dificuldade, viram que não dava mais para adiar e se separaram. Porque estar com alguém em tempo integral só é suportável quando há amor e respeito.

Você escolhe: glória ou dor?

Assim, não estar em  um relacionamento amoroso não necessariamente estará relacionado com tristezaabandonorejeição.

Você não precisa acreditar na crença de que ‘estar só é estar triste‘. Ponto. Esta ideia, alimentada por séculos, tem um alto custo emocional e às vezes traz mais sofrimento do que estar só. 

Muitas pessoas se jogam em relacionamentos amorosos sucessivos. Querem evitar o encontro consigo mesmas. Na verdade, são viciadas na paixão. Querem as emoções de início – e aí, tanto faz, na verdade, quem seja o seu par, desde que proporcione estas emoções.

“Aprenda a ficar sozinho e você nunca mais se sentirá só” – Dalai Lama

O neuropsicólogo Pedro Calabrez explica a química da paixão. Esta química viciante leva as pessoas a emendarem um relacionamento no outro, no que se conceitua como monogamia em série.

Ou seja, quando as emoções prazerosas começam a diminuir e as diferenças surgem, hora de buscar o próximo relacionamento.

Sem flexibilidade e sem capacidade de negociação e por não terem parado para  perceber o que deu errado, muitas pessoas desistem dos relacionamentos. Por não ficarem bem com o fato de estarem de novo “solteiras”, lançam-se à procura de nova parceria amorosa. Sentem como solidão o que poderia ser vivenciado como solitude.

A pessoa que não reflete sobre as razões do seu relacionamento não ter sido satisfatório, pode atribuir total responsabilidade à outra pessoa. Dependendo dos seus esquemas, o ciclo de relacionamentos sucessivos se perpetua.

Monogamia em série

O pensador Zygmunt Bauman propôs o conceito de amor líquido, ao observar a facilidade com que, nos dias de hoje, as pessoas se lançam em novos relacionamentos.

Esta “liquidez” faz com que as pessoas se sintam cada vez mais sós, mais vulneráveis. Com isto, aumentam suas defesas para não sofrerem – impedindo de receberem justamente o que mais querem: amor.

E o que acontece com você? Você consegue se comprometer, não só nos momentos fáceis e prazerosos mas também nos de crise? Ou foge?

Você consegue estar só? Ou se encaixa no perfil de monógamos sequenciais? 

Analise o seu momento presente, observe o que você gosta na pessoa que se tornou e é hoje. E lembre que, antes mesmo de entrar em alguma  relação – aí, não só amorosa, mas também de amizade ou profissional –  autocuidado e autocompaixão são fundamentais para manter sua saúde mental. 

Será que o que  impede você de ser feliz hoje,  aqui e agora,  é apenas (ter ou não) uma parceria amorosa? 

O amor é um aprendizado, que vai na contramão do que a mídia e a cultura popular apregoam. Não é inato. Allain de Botton frisa que é uma habilidade aprendida.

A importância dos modelos recebidos

Como dito anteriormente, modelos que recebemos e mantemos sem questionar nos fazem dificultar nossas relações afetivas, de todos os tipos. As crenças românticas a que somos expostos em filmes, músicas e literatura, bem como nossas experiências de início de vida, deixam uma marca. Avalie suas crenças românticas, questione as que realmente lhe servem na vida real. Expectativas  muito altas  dificilmente serão atendidas..

Observando os relacionamentos amorosos mais próximos moldamos o que esperamos dos nossos relacionamentos.

Atenção ao detalhe

Pequenos gestos e sinais que refletem a qualidade do relacionamento acabam passando desapercebidos. Tente prestar atenção neles, mais do que em gestos grandiosos e raros.

Com a frustração de suas necessidades emocionais, alguns gatilhos são acionados. Com raiva, você pode se precipitar.  E assim, a insatisfação pessoal continua. 

Assuma a sua responsabilidade pela vida que você tem e na que você quer ter. “Conhece-te a ti mesmo“, diziam os gregos. Observe e  se comprometa com os valores que  são realmente os seus, caminhando na direção deles. 

Se preciso, procure ajuda psicoterápica.

____________________

Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, na linha de Família e Casal, com formação em Terapia Cognitivo-Comportamental , formação em Terapia do Esquema e Extensão em  Terapia de Aceitação e Compromisso. Atende a jovens e adultos em terapia de casal, pré-matrimonial e individual, em Copacabana e online.

26/12/2020

2020 – o ano que não acaba nunca – voou

Últimos dias de 2020. Este ano, que parece não acabar nunca, voou. Voou com muitas turbulências. Foi barra pesada para a maioria de nós. 2020 já ficou conhecido como ‘o ano da pandemia’.

Foram inúmeros os problemas, mas, certamente o principal, para o Brasil, foi a pandemia de coronavírus.

Até o dia 26 de dezembro, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil foram confirmadas 190 mil mortes por causa da covid-19. E dói saber que muitas destas poderiam ter sido evitadas com comportamentos preventivos.

Retrospectiva 2020: o luto está mais presente

O balanço que se faz, tradicionalmente, ao final do ano, será, pois, mais doloroso do que o normal. Afinal, 2020 foi o ano de lutas e de muito luto. E o luto pode demorar a passar…

Quem perdeu alguém recentemente por covid-19 pode ficar ainda mais traumatizado de ter de enfrentar as situações de grupo. O período de luto pode durar muitos anos, se não puder ser vivenciado

Durante a pandemia, as pessoas mais conscientes dos riscos se afastaram de quem mostra que não se preocupa com a prevenção ou tem discurso negacionista. Foram muitas perdas. E o luto pode ser

  • por amigos ou familiares;
  • por relacionamentos – muitos casais se separaram;
  • pelo desemprego e postos de trabalho que deixaram de existir;
  • pelo adiamento de planos de carreira, de aquisições, de viagens…
  • pela certeza de que se tinha algum controle na própria vida;
  • e tantos outros

É preciso ser flexível para criar novos planos. E paciente para esperar a hora certa. Este é um aprendizado que a psicoterapia proporciona.

Os impactos da pandemia na saúde mental

Segundo o Conselho Federal de Farmácia, a venda de medicamentos psiquiátricos aumentou. Quem já sofria de depressão ou de ansiedade, relatou piora. Pacientes que tiveram alta, voltaram.

O consumo de álcool e outras drogas subiu também muito durante a pandemia. No período em que restaurantes e bares estiveram fechados, o consumo doméstico disparou.

Muitas pessoas, morando sozinhas, e sem ter alguém que as alertasse do consumo excessivo, entraram em um processo de dependência.

O consumo de drogas, segundo a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras DrogasABEAD – traz ainda mais problemas para quem contrai covid-19. A dependência contribui para o agravamento do quadro.

Comemorando o fato de ter sobrevivido

A verdade é que neste final de ano estamos todos cansados. Por isto tem sido tão difícil ficar em casa. Infectologistas e outros profissionais da área de saúde têm se mostrado bastante preocupados com este período de Festas. Elas podem contribuir para manter a epidemia num crescente.

Será que não poderíamos abrir mão da ceia de Natal? Ou das festas de Réveillon? Não seria melhor adiar? Será que esta festa é tão imperdível assim, a ponto de ser a última da sua vida? Reflita mais sobre seus valores.

Como sou psicóloga, sempre me perguntam o que faz as pessoas irem a festas durante a pandemia, se aglomerando e tirando a máscara. Parece um filme de horror. Ou que as pessoas estão em um transe coletivo, que as impede de pensar.

Acredito que seja simplesmente a negação da morte. Pura e simples. A morte é sempre do outro.

Muitas pessoas, em confronto com a morte, querem reafirmar que estão vivas.

Há quem pense que Deus as protege. Ou que não se morre antes da hora. Independente de sua religião, não é hora de atribuir mais trabalho a Ele.

Não sabemos quando é a nossa hora – ou a da pessoa próxima a nós, que pode ser infectada só porque não tivemos cuidado de protegê-la.

Caso você vá a alguma festa, por favor, use máscara o máximo de tempo possível. Mantenha o máximo de distanciamento físico e leve o seu próprio álcool gel. Tenha comportamentos seguros. Evite o uso de drogas – inclusive o álcool.

O consumo de álcool e drogas diminui o autocontrole e, assim, predispõe a esquecer os protocolos de segurança.

Caso você participe de alguma comemoração, pense nas pessoas que perderam entes queridos. Evite posts destas situações, pois machuca quem está em luto. Respeito todo mundo gosta.

A quem recorrer na hora da crise

Se você não está em processo de psicoterapia, o Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar em um momento de emergência, de depressão ou ansiedade profunda. O Centro dá apoio emocional e previne suicídio.

O atendimento do CVV é voluntário e gratuito, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat. Funciona 24 horas todos os dias – inclusive Natal e Ano novo. As ligações são gratuitas, em todo o país – basta discar 188.

Cuidar da sua saúde mental é um autocuidado básico

Diante da ‘tarefa’ de reverem seu ano e planejarem o próximo, muitos clientes se esquivam da proposta terapêutica. Avaliar o que não funcionou bem e o que se quer fazer para o ano seguinte gera angústia. Normal e esperado. Mas para mudar é preciso compromisso.

Em 2020 todos tiveram consciência de que, a qualquer momento, seus planos podem precisar ser deixados de lado. Com isto, muita gente meio que se acha em débito com o que havia planejado. E ficar em débito com o que planejou provoca angústia em quem é mais rígido.

Se você ainda não faz psicoterapia, analise se não é o momento de começar a fazer. Especialistas de saúde mental acreditam que a crise na saúde mental, por causa da pandemia, vai aumentar nos próximos meses. São muitos os fatores que estão contribuindo para o aumento dos sintomas de depressão e ansiedade.

O que esperar de 2021

Se você ainda não começou o seu processo psicoterápico, considere seriamente a possibilidade. Aliás, o melhor seria nem esperar 2021.

Precisamos aprender novos recursos para lidarmos com uma nova realidade. E a psicoterapia ajuda a desenvolver a flexibilidade necessária para enfrentarmos os novos desafios.

Como disse Darwin,

“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”

Não é demérito nenhum pedir ajuda em um dos períodos o mais desafiadores da era contemporânea.

Profissionais da saúde mental conhecem estratégias para melhor enfrentar o que se apresenta pela frente.

Mais do que nunca, cuidar da sua saúde mental vai fazer a diferença sobre a forma em que você viverá cada dia de 2021.


Thays Babo é Psicóloga Clínica e atende
em Copacabana a jovens e adultos em terapia individual, terapia de casal ou pré-matrimonial..

Mestre pela Puc-Rio, tem formação em TCC, extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP), e é associada da ACBS (Association for Contextual Behavioral Science). Formada em Terapia do Esquema pela Wainer.

Powered by WordPress