Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

21/04/2016

Amor nos tempos dos apps

Não é preciso ser cientista social para observar a instabilidade das relações amorosas contemporâneas. O amor mudou. A tecnologia digital, que chegou para ficar, trouxe mais insegurança para quem está em um relacionamento amoroso – e também para quem está à procura de um. Os aplicativos de relacionamentos (apps) vieram para ajudar. Mas têm gerado muito estresse. 

eterno-namorados

Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, foi bastante feliz ao estender o conceito de ‘liquidez’ ao amor contemporâneo. O termo  amores líquidos surgiu antes das redes sociais, como o Facebook e Instagram, e dos aplicativos de relacionamento, como o Tinder e Happn.

Da mesma forma que é fácil  escolher e encontrar  possíveis parceiros, no mundo inteiro,  em poucos minutos, também se pode deletar. 

Tudo de forma rápida, instantânea, bloqueando ou simplesmente ficando sem responder as mensagens. Bem diferente do que era romper um relacionamento na era analógica, quando o amor se olhava mais nos olhos do que nas telas.

Valores essenciais: liberdade x segurança 

Bauman fala de dois valores essenciais: liberdade e segurança. E explica e como estes geram sentimentos ambivalentes. Em um relacionamento amoroso, liberdade é considerada  uma ameaça para os casais. Mantida,   seja por ideologia ou para manter a excitação do novo,   a ‘segurança’ e ‘estabilidade’, características dos antigos relacionamentos, são sacrificadas.  

Na sociedade digital, é muito mais fácil romper,  ‘deletar’ relacionamentos. Antes, morando em pequenas cidades, expostos ao julgamento de parentes, vizinhos e amigos, as  escolhas eram restritas, restringindo-se assim a liberdade.

Mas, apesar da crescente liberdade,  será que as expectativas amorosas dos jovens são muito diferentes das que seus pais tinham?

O amor e a necessidade de controle  dos jovens – controle e disfarce 

Segundo Helen Fisher, as expectativas e desejos são os mesmos de sempre. Mas são inconfessáveis, muitas vezes, para si e para os amigos, diante dos se disfarçam os sentimentos, para não ser alvo de ‘zoação’. 

A turma de amigos – conectada todo o tempo – testemunha e  acompanha seus passos amorosos pelas redes. Talvez seja pelo medo de se expor que se quer  tanto controle nas relações amorosas.

Por exemplo, no simples uso que se faz do whatsapp, há uma ‘etiqueta’. Mandar uma mensagem por texto (texting) é um comportamento aceitável mas, por  áudio, ‘é muita exposição‘ – demonstra muita intimidade e é um passo grande.

E telefonar? ‘Nem pensar‘. Assim,  indicadores importantes da qualidade da relação, como o tom de voz, ficam perdidos. Os emojis – tão limitados! –   substituem conversas  que poderiam dar muitos sinais de como está a relação.

E tal sintetismo abre margem grande para interpretações erradas. Dependendo da pessoa, daí podem surgir  1001 ruminações.  E teria sido tão mais simples perguntar, não? Bom, talvez não para todas as pessoas. 

namoros

O que o amor perde na era digital

E o que se tem perdido? Contato e intimidade. Desde o olho no olho até o tocar.

As gerações  que já nasceram conectadas perderam etapas valiosas do enamoramento e sedução.  

Apesar de parecerem  ‘descolados’, os jovens, ao assumirem uma postura  defensiva, aparentam ser mais frios ou inseguros. Não ousam demonstrar sentimentos e não  querem entrar em contato com o sofrimento, ainda que offline. Muitos, diante de uma decepção amorosa, se jogam em outra história, para não mostrar fragilidade.

Os riscos da falta de amor

A grande contradição é que, pelo menos no Brasil,  os comportamentos sexuais de risco não diminuíram. O medo de se infectar diminuiu, o problema não é o vírus: é se mostrar vulnerável. De abrir  a vida para outra pessoa, deixando-a entrar.

Com o  medo da rejeição, criam-se as condições ideais para que ela aconteça. Assim, as pessoas se esquivam de experiências emocionais que trazem  amadurecimento. Mas continuam sentindo falta do contato de pele e por isto muitas vezes entram em situações de risco, para suprir carências emocionais.

Relacionar-se deve – ou ao menos deveria – implicar em confiar.

“Se você não se curar do que te feriu, vai sempre sangrar em cima de pessoas que não te cortaram”

E o que fazer? Antes de querer se relacionar amorosamente, é importante saber com o que você quer se comprometer na vida. Quais são  os seus valores, realmente? E quais são os impostos pela família – ou pela sociedade?

Não tenha medo de olhar  sua história pessoal e buscar ajuda para superar traumas, não os projetando em uma outra pessoa.  Muitas vezes a necessidade de  controlar o tempo todo – ou se deixar  controlar – tem a ver com histórico familiar ou mesmo por uma traição não resolvida.

Ao mesmo tempo, o medo de mostrar insegurança e sua vulnerabilidade não permite que as pessoas se abram e se exponham, com medo de serem julgadas. Ou motivos de chacota.

Para  manter a pose de inatingível, o relacionamento pode ser prejudicado. 

 Terapia de Casal e Terapia Pré-Matrimonial

Na terapia de casal ou na terapia pré-matrimonial, os valores serão trabalhados, a fim de estabelecer o que é ou não aceitável para as pessoas. Ao conhecer mais profundamente a história do(a) parceiro(a), atinge-se maior compreensão e empatia. Acordos poderão ser feitos, outras perspectivas são descobertas e,  assim, o compromisso amoroso terá mais chances de ser satisfatório, contribuindo para que a vida, como um todo, seja mais valiosa e valorizada. 

Thays Babo (CRP 05/23827) é  Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, com formação em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) pelo CPAF-RIO e Terapia do Esquema, pela Wainer Psicologia. Tem também  extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) pelo IPq (USP).

Atende a jovens e adultos em terapia individual, de casal e pré-matrimonial, em Copacabana e  on-line.

Encarando a vida nos olhos – filmes preciosos sobre finitude

A finitude é um tema sobre o qual poucas pessoas costumam falar. Talvez porque as pessoas preferem não pensar no assunto, aqui no Ocidente.

Só pode ser este o motivo pelo qual 3 filmes sensacionais, sobre os quais escrevi, foram “esquecidos”. 

O elenco é impecável. Um destes filmes recebeu Oscar de Melhor filme Estrangeiro.

Apesar de sabermos que todos nós vamos morrer, em geral as pessoas evitam falar sobre isto. Ficam angustiadas. Parte porque, em suas próprias famílias, foram ensinadas assim. Pais e mães, bem como outros cuidadores e educadores, evitam o assunto quando as crianças perguntam.

Até inventam histórias sobre viagens ou estrelinhas. Enfim… Assim, nos ensinam a não falar sobre.  

Ah, e nas graduações de Psicologia e Medicina, a morte ainda é deixada de fora… O assunto  fica restrito a cursos de filosofia (em geral oriental), tanatologia ou cuidados paliativos. 

Truman

Muitas resenhas classificaram Truman como comédia. Imagino que seja uma ‘negação’ de quem fez a categorização. Ou mesmo  estratégia de marketing. O filme aborda um tema espinhoso mas deveria ao menos ter sido classificado como comédia dramática. 

Há várias cenas bem humoradas, dosadas certeiramente. Mas, não se engane: Truman fala de nossa terminalidade. E de como se reage frente a um diagnóstico de câncer terminal.

Quem assiste não poderá evitar repensar a própria vida. Algo a que fomos forçados a pensar durante a pandemia.

Se você não sabe nada sobre o filme e nem quer ter ideia, melhor parar por aqui. Tentarei não fazer spoiler, mas não tem muito jeito.

O ator argentino Ricardo Darín interpreta Julían. No filme, ele interpreta um ator argentino que mora sozinho em Madrid, separado. Julian descobre uma metástase de câncer no pulmão. E desiste de seguir o tratamento.

Passa a se ocupar, então, de se preparar para quando a morte chegar. Cuida de coisas práticas – inclusive envolvendo seu cão, Truman – e também de pendências emocionais.

Ao tomar tais providências, Julian assombra a pessoa comum. Causa um aperto no coração de quem o assiste. Mas sua postura diante da vida é uma lição. 

Enfim, o filme mexe com quem tem problemas com a terminalidade – mas quem não os tem? Pensar a respeito disto faz você ter uma vida melhor, mais compromissada com o aqui e agora.

Fases do Luto

A psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross brilhantemente descreveu as cinco fases atravessadas por pessoas que recebem um diagnóstico de doença terminal.

Nem todo mundo  consegue ir até a quinta – até porque é muito difícil não é muito permitido conversar sobre a morte. Pessoas próximas a quem está morrendo tentam negar a sua percepção, ou se incomodam de falar sobre morte.

Resolver e aceitar a finitude, por mais difícil que seja, abre a possibilidade de terminar a vida bem. E Julian consegue fazer isto – não sem dor, mas com dignidade. O filme não foca nas cenas de hospital, não o vemos em sofrimento físico. Ou seja, o filme vai te acrescentar importantes lições – sem necessariamente trazer muitas lágrimas.

Profissionais da área de saúde – psicoterapeutas e médicos, dentre outros – deveriam assistir,  em especial os que lidam com pacientes oncológicos.

Afinal, eventualmente se deparam com pessoas que fazem perguntas difíceis sobre seus tratamentos. 

A Medicina, cada vez mais avançada, aumenta as possibilidades de diagnóstico e tratamento. Porém, muitos pacientes, familiares e amigos têm a mesma dúvida do protagonista, quando, em algum momento, a morte parece mais próxima do que nunca. E como a encaramos?

Questões éticas e jurídicas estão envolvidas neste tipo de decisão, mas está cada dia mais difundida a ideia do tratamento paliativo e do testamento vital. 

Outras indicações cinematográficas sobre terminalidade

O filme francês E se vivêssemos todos juntos? trata a finitude de forma leve. A morte chega ao final de uma longa e boa vida. E o elenco traz as veteranas Jane Fonda e Geraldine Chaplin.

Aborda também o problema da solidão na velhice, com suas questões familiares. Hoje, na Europa, muitos grupos de amigos organizam-se em comunidades como a retratada.

No Brasil, algumas iniciativas já estão sendo pensadas. 

O terceiro filme é o canadense As Invasões Bárbaras (excelente continuação de O Declínio do império americano, que superou o primeiro filme). Neste, o professor universitário Rémy não se conforma com a sua finitude.

Rémy, um intelectual, não consegue ver sentido na vida e nem na sua morte. 

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Conclusão

Os três filmes trazem lições sobre amizades, relações familiares e – também – profissionais. Agradará a quem não tem medo da vida e consegue encarar de frente a única certeza que temos na nossa vida: em algum momento, ela termina.

Mas ainda há tempo para quem ainda está por aqui. Você ainda pode ter  uma vida significativa.

Se você consegue não ter medo da vida, você aceita melhor a certeza da morte. A nossa morte não  é de todo controlável, nem nossa vida. Mas a gente pode aprender a viver (e consequentemente a morrer)  melhor.

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Thays Babo é  Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio. Tem formação em terapia cognitivo-comportamental (TCC),  pelo CPAF-RIO, em Terapia do Esquema, pela Wainer Psicologia, e extensão em ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso),  pelo IPq (USP).

Atende a jovens e adultos em terapia individual, terapia de casal e terapia pré-matrimonial, em Copacabana ou online.

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