Para quem tem paixão pelo cinema, fevereiro é uma das épocas do ano mais movimentadas: muitas boas opções em cartaz, batendo ‘urgência’ de ver alguns dos filmes indicados ao Oscar.
Quem acompanha o Confabulando sabe que o foco aqui são as questões psicológicas e não as técnicas cinematográficas. Vários psicólogos já apontaram o efeito do cinema como ‘filmoterapia’ e, principalmente na TCC (terapia cognitivo-comportamental), é bastante comum recomendar algum que contribua para entender uma questão problemática de quem está sendo atendido
Se você não acompanhou, o resultado pode ser visto em http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2015/02/22/veja-a-lista-de-indicados-e-vencedores-do-oscar-2015.htm.
Não assisti a todos, logicamente, mas indico os seguintes filmes
“Birdman” “Boyhood: Da infância à juventude” “O grande hotel Budapeste” “O jogo da imitação”
“Para sempre Alice”
“Livre”
“Relatos selvagens” (Argentina) “O sal da terra”
Na lista completa de indicados constam dois filmes infantis: Caminhos da Floresta (escrevi um post aqui) e Malévola – ambos por prêmios técnicos . Assisti aos dois, que revisitam famosos contos de fada. Antigamente, eles tinham uma função educativa, mas o mundo Disney dourou tudo. No entanto, parece que eles mesmos vêm revendo os conceitos – e por isto as ‘princesas’ destes dois filmes são mais aguerridas e questionadoras.
Quais destes filmes você já assistiu? Tem algum ritual para assistir a transmissão ou não dá a mínima atenção para isto?
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Thays Babo é psicóloga, bacharel em Comunicação Social pela UFF, com mestrado em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, na linha de Família e Casal. Com formação em TCC pelo Cpaf, mais recentemente atende com a Terapia de Aceitação e Compromisso (ou ACT, em inglês), no Centro do Rio.
Caminhos da Floresta é um filme dos estúdios Disney. Mas não tanto para crianças. Ao assistirmos, atraídos pelo elenco estelar – que inclui Johnny Depp e Meryl Streep, mais uma vez indicada para Oscar (desta vez como atriz coadjuvante), nos surpreendemos. Caminhos… reúne vários personagens dos contos dos irmãos Grimm. O filme costura o destino de Chapeuzinho Vermelho com seu Lobo Mau, João – o do pé de feijão, Rapunzel e Cinderela com seus respectivos príncipes. E, logicamente, não poderia faltar a bruxa má.
Função do conto de fadas
Em um tempo que nos parece muito distante, quando não havia eletricidade e nem telefone, era através dos contos que adultos alertavam as crianças sobre os riscos da vida.
Bruno Bettleheim, no livro A Psicanálise dos Contos de Fadas, diz: “No conto de fadas, o paciente encontra soluções analisando as partes da história que dizem respeito a seus conflitos”.
Impacto nos relacionamentos amorosos
Os psicólogos que estudam a Psicologia do Amor sempre apontam a importância do imaginário acerca de ‘príncipes encantados’. Talvez tenha tudo piorado a partir dos filmes da Disney. Nem todos os contos originais terminavam quando o príncipe resgatava a princesa – de um sono profundo, de um dragão ou de uma bruxa (que sempre era má).
Mas os desenhos do estúdio venderam esta ideia e, ainda hoje, muitas mulheres adultas esperam o homem perfeito em suas vidas. Logicamente, eles não existem. Mesmo nos países onde há monarquia, vemos que príncipes – e também princesas – , como os plebeus, são seres humanos. Todos falíveis.
A indústria cinematográfica mais recentemente parece se empenhar em corrigir a ilusão de um príncipe ‘salvador’. Vem até fazendo piada – como em Malévola, por exemplo. Não é o beijo do príncipe que desperta Aurora. E os príncipes de Caminho da Floresta são risíveis.
Contos de fada – como retratam a psicologia
Não só neste filme, mas personagens de contos de fada ilustram muito bem posturas que assumimos na vida real, muitas vezes sem nos darmos conta.
Madrasta, bruxa, princesa, são todos aspectos do feminino. Assim como o lobo mau, o príncipe e o gigante o são do masculino. Para exemplificar: apesar de Rapunzel não ter muito destaque no filme, a cena em que a bruxa (que é Meryl Streep) e Rapunzel se enfrentam serve como ‘filmoterapia’ para trabalhar a relação mãe e filha.
A bruxa representa o arquétipo da mãe devoradora. Lida mal com o florescimento da filha, tem dificuldade com o envelhecimento. Não é fácil envelhecer – e dar de cara com a finitude e a perda do poder de atração. Assim, tenta impedir a saída para o mundo. Ficando só, teria de enfrentar a ‘síndrome do ninho vazio’.
Quantas relações mãe e filha não existem assim? Quantas mães não prendem, de forma “inconsciente”, sua prole para não ter de lidar com seu decaimento e solidão?
Contos também serviam para educação sexual. A história de Chapeuzinho Vermelho, neste filme, parece um alerta sobre pedofilia.
A influência dos contos
No consultório, muitas vezes recebemos clientes – homens e mulheres – com grande dificuldade para se separarem do pai ou da mãe. Não se sentem livres para uma vida de adulta. Emaranhados com eles, abrem mão de vários projetos importantes.
Tudo o que está sendo dito aqui, sobre Caminhos da Floresta, racionalmente, muitas vezes é sentido dolorosamente na vida e se apresenta na clínica de psicoterapia.
Em alguns casos, precisa-se de muito tempo para elaborar estes sentimentos ambivalentes, de amor e ódio pelas figuras parentais, para conseguir encontrar o equilíbrio, sem ‘abandonar’ a família de origem mas sem abdicar também dos projetos pessoais.
Em Caminhos da Floresta, uma canção é bastante significativa e ‘terapêutica’ até: dois personagens adultos cantam para crianças (João e Chapeuzinho Vermelho) que pais e mães também erram. Então, se você for pai ou mãe, provavelmente errará.
É preciso, pois, desenvolver a aceitação e a compaixão: consigo e para com os outros. E, ao mesmo tempo, ir se separando para ter uma vida valiosa, alinhada com os seus valores pessoais.
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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica, pela Puc-Rio, tem formação em TCC, extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP) e é associada à ACBS (Association for Contextual Behavioral Science).
Durante a pandemia de Covid-19, só atende on-line, a jovens e adultos em terapia individual, terapia de casal e pré-matrimonial.
Acima das Nuvens, com Juliette Binoche e Kristen Stewart, traz algumas questões bastante incômodas, principalmente para quem atravessa por uma crise de idade: como lidar com a passagem do tempo e o envelhecimento? Tudo isto é mostrado através da história de Maria Enders (Juliette Binoche), atriz consagrada, que recebe um convite que poderia ser muito envaidecedor e marcante para a sua carreira, mas que a lança em uma série de questionamentos pessoais. Terá de encarar que não pode mais ser a intérprete daquele que considera o papel de sua vida: Sigrid, uma jovem sedutora da chefe, Helena, que – ao final da peça – se suicida. Na nova versão teatral proposta, o papel de Sigrid caberá a uma novata, que desconhecia até então, mas que se projeta graças a saber manipular a mídia, familiarizada com as redes sociais, blogs e quetais.
Maria teme também ser acometida por uma depressão – como o foi a primeira atriz que viveu o papel de Helena. Em paralelo, a relação com sua assistente pessoal, Valentine (interpretada por Kristen) se assemelha bastante com a das personagens da peça – Sigrid e Helena. Valentine não se submete e de certa forma torna ainda mais difícil para Maria o aprendizado sobre a passagem do tempo.
Maria se divide entre aceitar ou não o papel, e enquanto isto vai aprendendo a lidar com as novas linguagens, que sempre desprezou, bem como a lidar com os blogs de notícias e fofocas. Enfrenta o envelhecimento, contra o qual não se pode vencer. Filme que provoca reflexão a médio e longo prazo – bem ao estilo de Bergman, como alguns críticos apontaram, vale ser visto – até porque as paisagens dos Alpes Suíços permitem ainda mais reflexões sobre a impermanência…
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Thays Babo é psicóloga e Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio. Associada da ATC-Rio, atende no Centro e vem utilizando recursos de mindfulness em sua prática clínica.