Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

05/12/2011

Almodóvar e suas surpresas


117 minutos que pesam. Fiquei um tempo sem conseguir me mexer diante de tudo o que eu acabara de assistir em A pele que habito. Lendo os créditos, ainda processando o que acabara de ver, descobri que a última “maluquice” do diretor espanhol não tinha saído inteiramente de sua cabeça: Almodóvar se inspirou na novela de Thierry Jonquet, Tarântula. Pela sinopse, parece exagero dizer que Almodóvar “pirou de vez”. Jonquet ousou mais, foi mais ‘louco’. Se Almodóvar tivesse roteirizado igualzinho, acredito que seria mais difícil assistir – bem, para mim… A verdade é que amei o filme, que reavivou em mim a vontade de rever os principais de Almodóvar.

Não tinha visto nenhum trailerantes, pra ir sem expectativa (tenho percebido que muitas vezes foi bem melhor!). Alguma expectativa, claro que eu tinha, pois adoro o diretor. Li algumas sinopses e não hesitei, apesar de saber que seria indigesto para mim – filmes ou seriados com sangue, cirurgias, autópsias guerras, assassinatos e que tais não têm minha audiência, nem virando clássicos. Levei 5 anos pensando se fazia Psicologia ou não pra não ter de passar pelo anatômico… 8) Isto dá uma ideia da minha repulsa a sangue e cortes?





As críticas, que só li depois, em blogs, dividem-se. Ou são elogios rasgados ou críticas detonando. Vários categorizam o filme como de terror – até por conta de uma declaração de Almodóvar. Terror? Pretensiosamente discordo – a não ser que seja aterrorizante saber que temos pessoas totalmente sem ética e sem limites soltas por aí. É, pensando bem… pode ser assustador mesmo. Enfim, não há consenso sobre o filme e como, em blog, cada um diz o que quer, resolvi parar de ler e dar a minha opinião. Quem acompanha o Confabulando sabe que os aspectos técnicos não são os que mais me encantam. Não é a minha especialidade – às vezes até menciono, se me são evidentes, mas meu foco é a psicologia dos personagens.

Aconselho você a parar de ler, caso não tenha visto o filme ainda. Volte depois pois, a partir do próximo parágrafo, vêm vários spoilers.

Começo pelo cartaz: Loucura. Fúria. Paixão. Na verdade, são estes os principais aspectos que as críticas vêm ressaltando. Pra mim, falta uma palavra-chave: vingança, sendo este um dos melhores filmes sobre vingança. Sim, uma vingança descabida, desproposital – ou não, dependendo de que lado se esteja. Muito se destaca também o perfil obsessivo e perfeccionista de Robert Ledgard.

Cirurgião plástico renomado, Dr. Ledgard – interpretado por Antonio Banderas – logo no início apresenta em um evento científico a pele sintética que criou, capaz de suportar qualquer tipo de dano. Sua justificativa foi a possibilidade de salvar pessoas queimadas. Questões da bioética são levantadas sobre sua pesquisa – mas não é nesta vertente que o filme vai seguir. O que nos importa é descobrir porque o médico tanto se empenha em chegar à perfeição. Este é o básico, a sinopse que todo mundo leu na mídia.

Em pouco tempo, ficamos sabendo que esta obsessão pela pele perfeita e resistente surgiu a partir da morte da esposa de Robert. Após um acidente de carro – cujas circunstâncias serão reveladas em flashback – ela fica totalmente carbonizada. Não morre imediatamente e Robert incansavelmente batalha pela sua sobrevivência. Só que ela não suporta o estrago que o fogo fez à sua pele. Sua morte, terrível, acaba com o equilíbrio mental da filha do casal, Norma. Aliás, o filme revela que toda a família é desestruturada, desde a mãe de Robert que, em um momento elucidativo, diz que tem a loucura nas entranhas. Não que justifique, mas…





Almodóvar recorre a vários cortes temporais para contar a história de Robert, que montou um laboratório e um centro cirúrgico em sua mansão. É lá que trabalha secretamente no desenvolvimento desta pele resistente. O que causa repúdio é que, em seu experimento, usa uma cobaia humana: Vera Cruz – uma das várias homenagem ao Brasil do filme. Vera é interpretada por Elena Anaya, linda – e eu ainda não lembro de sua personagem em Fale com Ela (meu filme favorito de Almodóvar, até então). De repente, decide dispensá-los e manter apenas uma fiel empregada, Marília (Marisa Paredes), que trabalhara para sua família desde antes de seu nascimento. A chegada de Marília expõe Robert a algumas reviravoltas que fogem de seu controle.

Apesar de todos ficarem vidrados na atuação de Banderas, na loucura de seu personagem, não me parece muito diferente dos crimes hediondos de que se têm notícia pelos telejornais. Manter alguém em cárcere é até comum… A questão experimental, bem, não é para todos, mas, de vez em quando a gente sabe algo parecido. O médico é um vingador sem ética, totalmente diferente do vingador de O segredo dos seus olhos – para mim, até então ‘O’ filme de vingança. Acaba sendo mais vil do que o crápula inocente – mas não inofensivo – que ele queria punir. Quantos ‘crápulas’ inocentes estão à solta por aí, agindo de forma totalmente irresponsável, contando com a sorte de não encontrarem um vingador pela frente? Fiquei, durante boa parte do filme, pensando no porquê de Vera pagar a conta pelo ato criminoso de outra pessoa. Até vir a revelação, fantástica. A vingança, para o cirurgião, decididamente, é um prato que se come frio em um banquete… No entanto, Robert se embola com sua vítima. Fica obcecado pela sua criatura, tão semelhante à esposa morta. Vera parece sucumbir também, talvez como o estudado na Síndrome de Estocolmo.




Vera Cruz é, para mim, a personagem mais interessante. A verdadeira protagonista. Quando finalmente descobri quem ela era, o filme passou a ter outro significado, não sendo meramente um ‘horror psicológico’. A questão que se colocou para mim foi: “se você passasse por algo semelhante, você conseguiria sobreviver, sem enlouquecer?” Você resistiria, daria conta??? O que fortalece alguém? (No caso de você realmente não ter visto o filme, PARE AQUI, POIS SENÃO ESTRAGAREI MESMO)

Apesar de não ser o foco do filme, cabe aqui um parêntesis para quem curte psicologia. Para muitos transexuais, a cirurgia é extremamente desejada: é quando enfim se libertarão de um corpo que não reconhecem como seu. Muitos arriscam e perdem a vida, por não terem dinheiro ou acesso à cirurgia – que não é facilitada. Acompanhamento psicológico é super indicado para elaborar questões vividas ao longo de toda uma vida até chegar à cirurgia – e para se preparar para lidar com ela. Agora, imagine-se acordando de uma cirurgia em que o seu sexo foi trocado à sua revelia. Sem preparo algum psicológico, sem que existisse este desejo. Quantas pessoas seriam suficientemente saudáveis para não surtar diante de uma violenta mudança???

E por que Vera não surta? Como? Deixei por aí uma pista para a minha opinião sobre o que fez Vera manter-se sã. Espero a sua. Só não vale dizer que a louca aqui sou eu, pois afinal, a dica aparece no meio do filme! Pena que não consegui localizá-la ainda no youtube 😀 No livro, o final é bem diferente e só há um personagem que renderia um bom papel coadjuvante. Toda a parte da mãe e do Tigrão não existem.



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Thays Babo é psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica (Puc-Rio) e atende no Rio de Janeiro.

01/12/2011

Sobre A Pele que Habito

Filed under: Espaço Psi-Saúde — Tags:, , , , — Thays @ 16:24

Assisti hoje a este novo filme de Almodóvar… preciso de um tempo para escrever sobre ele. Mas não podia deixar de vir logo dizer que é muito bom. As pessoas que eu conheço só disseram que era louco. Isto é muito pouco. O filme é genial.

Um conselho: se você não assistiu ainda, nem veja o trailer, porque estraga muito…

Em breve, aqui no Confabulando.



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Thays Babo é psicóloga clínica e atende no Rio de Janeiro

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