Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

30/04/2011

O amor está no ar?

Não deu outro assunto no twitter no dia 29 de abril de 2011. Todos os trending topics faziam referência ao casamento de Kate e William. Se você não sabe de quem estou falando, não consumiu mídia alguma (tv, internet ou jornal) nos últimos 3 dias :-)… Não imaginei que fosse mexer tanto com o imaginário de nós aqui, brazucas, até descobrir que muitos dos meus amigos estavam online, acompanhando, de olho na TV. Tudo gente que já casou (alguns até separaram), mas dando palpite. Mesmo os mais críticos, não resistiram a dar uma espiadinha.

Por que esta torcida? Existem várias teorias. Mas talvez isto tenha a ver com o chamado ‘casamento do século’, que aconteceu em 81 unindo Lady Di e Príncipe Charles. Não pelo Príncipe Charles, que não é popular nem aqui, apesar de ter ensaiado uns passinhos de samba, quando visitou o Brasil. Lady Di, com seu jeito de boa moça e tímida, fez com que o mundo inteiro (ok, exceto aqueles que são contra a monarquia) torcesse pelo casamento. Muita gente se sentiu traída quando os escândalos conjugais começaram a vir à tona. Ora, isto acontece em qualquer família. Talvez tenha sido isto: identificação com a dor da princesa, que sempre se mostrara generosa, carinhosa – além de elegante. Se antigamente, as puladas de cerca reais levavam séculos para serem de conhecimento do povo, agora, graças à velocidade da informação, à voracidade dos paparazzi e da curiosidade do público – que os mantêm – , a notícia é instantânea.



A Princesa Diana, de certa forma, foi vítima do grande circo que se monta para lucrar de qualquer gesto real. Esperamos que Kate consiga experienciar seu novo status de forma diferente e mais madura. Até porque há também uma grande torcida – não só entre os britânicos – para que William possa assumir o trono, quando sua avó tiver de abandoná-lo. Sim, fico com a impressão de que ela reluta em largar o trono, como se na esperança de que Charles não se sentasse nele nunca, não é verdade? 😉 Puro achismo, claro.

Mas e a cerimônia de hoje? No que isto importa para o mundo? É só fantasia?

Não, não. Há várias questões políticas e diplomáticas vindo à tona. Pessoas convidadas e desconvidadas. O presidente americano de fora, enquanto artistas foram incluídos. O traje usado pelo Príncipe – como um comentarista apontou – não o foi por acaso. E William atrai a simpatia do povo, tanto por sua semelhança com a mãe, como por se posicionar, indo contra algumas tradições. E o discurso da noiva já mostra um sinal dos tempos: não mais a postura passiva, incluindo ‘obediência’ ao marido. É bom lembrar que uma das tradições já quebradas foi ter morado juntos por algum tempo. William parece muito seguro de si ao negociar as concessões junto à realeza. Coisa que seu pai não soube fazer. Ou não pode, talvez.

Casamentos, de uma maneira geral, já mexem bastante com as fantasias das mulheres. Este ainda mais, por mais que, já na segunda década do século 21, estejam todas independentes e autônomas. Mas o que eclodiu nos últimos dias, revelado nas redes sociais, mostra que ainda persistem alguns sonhos começados na infância. Ou bem antes, se levarmos em conta os contos de fada e o inconsciente coletivo.

O post poderia ser enorme, considerando aspectos sociológicos, históricos, culturais – pitacos com coisas que ouvi hoje, mas que não domino. Prefiro então deixar aqui a dúvida com quem me ler: por que será que todo este simbolismo ainda mexe conosco, plebeus, tão distantes da realidade britânica? Algum insight?



Aceito palpites e comentários aqui. Clique no título para abrir a janelinha de comentários.

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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica e atende no Centro do Rio

19/04/2011

E quem precisa de um rótulo?

Em abril de 2011, os inúmeros fãs de Catherine Zeta-Jones se surpreenderam com a notícia de que ela havia procurado tratamento para transtorno bipolar. Atriz inglesa de sucesso, que já conquistou um Oscar merecidíssimo, pelo filme Chicago, não deve ter sido fácil para ela assumir isto publicamente. Afinal, qualquer rótulo psiquiátrico é cercado por ignorância e preconceito. A comunidade científica agradece tal exposição. Graças à visibilidade que a doença terá a partir de agora, muitas pessoas poderão se reconhecer e buscar tratamento.



Mas, no que consiste este transtorno, exatamente? Antigamente conhecida como psicose maníaco-depressiva, também chamada de doença afetiva bipolar, a pessoa alterna momentos de euforia (mania) com depressão. A intensidade e a frequência dos ciclos variam e isto tem muito a ver com a adesão e manutenção de um tratamento medicamentoso e psicoterápico. Dependendo desta intensidade, pode ser mais difícil reconhecer os traços. Para isto, é fundamental a procura de um médico psiquiatra que poderá dar um diagnóstico mais preciso.

De uma forma bem resumida, o transtorno bipolar está dentro dos transtornos de humor. A fase da depressão é mais facilmente reconhecida e incomoda tanto que, em geral, é quando se procura ajuda – ou se é levado pelos familiares, preocupados com possíveis tendências suicidas. Porém, a mania pode ser inclusive mais perigosa já que a euforia traz sentimentos de ser super herói, invencível. A pessoa pode comer demais, beber demais, dirigir rápido demais, fazer sexo desprotegido, enfim, entrar em situações de risco justamente por achar que não corre risco nenhum. “A vida é bela demais para ter limites”.

Não é preciso ser profissional de saúde para deduzir que, tanto na depressão quanto na mania , as relações afetivas, sociais, familiares e muitas vezes profissionais ficarão muito prejudicadas. A família sofre e muitas vezes não consegue entender as mudanças da pessoa. Se for associado ao uso de drogas, o indivíduo pode ficar muito violento. As causas para o transtorno ainda não são bem conhecidas, mas passam pelo biológico e tem um componente hereditário. Pode surgir na infância, na adolescência e mesmo na maturidade. Fatores sociais, estresse e poucas horas de sono também podem contribuir – tanto para a normalidade quanto para o desencadeamento da doença.

Mas, é bom desmistificar: ser bipolar não implica em déficit de inteligência. Há vários exemplos de pessoas talentosíssimas na História que hoje se suspeita que foram bipolares: Vincent Van Gogh é um exemplo. Agora, Catherine Zeta-Jones, o que prova que se pode ser super criativo e produtivo, sem chegar a um extremo como foi o caso do pintor.

Certamente , muitos pacientes relutam em buscar ajuda pelo medo do diagnóstico, que vai lhe colar um rótulo. A ideia de ter tomar remédios – muitas vezes pro resto da vida – assusta, trazendo também o medo dos efeitos colaterais da medicação. No entanto, com acompanhamento médico competente, aliado à psicoterapia, aumenta-se muito a chance de se ter uma vida tão ajustada quanto a de pessoas ditas “normais”. Se bem que, como se diz, “de perto, ninguém é normal” 😉

Parceiros sexuais ou cônjuges de pessoas com transtorno bipolar muitas vezes sofrem e, sem que se deem conta, colocam em risco sua própria saúde física e mental. Física porque, se na fase maníaca, a pessoa faz sexo indiscriminadamente, com vários parceiros diferentes, cedendo aos seus desejos impulsivos, sem uso de preservativo. E mentalmente porque, face a tais mudanças de humor, pode afetar sua própria autoestima. Afinal, como entender que uma pessoa que só tece elogios, de repente, se torne capaz de ser fria e agressiva, dizendo qualquer coisa que lhe venha à cabeça? Ah, claro, é bom lembrar que o transtorno de humor é bem mais grave se aliado a algum transtorno de caráter. Por exemplo, podem haver traços de crueldade, em ter prazer em falar coisas que choquem ou que arrasem a outra pessoa. Muitas vezes estas pessoas não vão falar de seus problemas com amigos ou parentes, com vergonha de mostrarem o que passam . Ou também por não entenderem do que se trata. Se não tiverem uma boa autoimagem, não sabem separar o que é delas e o que é do outro, ou seja, da pessoa que é bipolar.

Em termos profissionais, dependendo da profissão, a pessoa que não se cuida também pode ter muita dificuldade de adotar uma rotina ou horário de trabalho rígidos. Pode saltar de um trabalho para outro, tendo muitos conflitos no ambiente profissional, justamente por ter um humor tão instável.

Em suma, se você se reconhece nos sintomas (existem vários sites na internet que listam alguns deles), procure logo ajuda profissional. E trabalhe suas questões emocionais e relacionais com a ajuda de um/a profissional de Psicologia. Tem sempre algum/a perto de você.

14/04/2011

Incêndios

Filed under: Espaço Psi-Saúde — Tags:, — Thays @ 16:24

Em 2011, Incêndios foi indicado a Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Dirigido por Denis Villeneuve, que também fez o roteiro adaptado da peça de Wajdi Mouawad, aclamado pela crítica, retrata uma realidade extremamente violenta. E eis aqui revelado o porquê de eu não o ter assistido: evito ao máximo filmes que eu saiba de antemão que sejam violentos (e aí incluo também os brasileiros como Cidade de Deus, Tropa de Elite 1 e 2 ), mesmo que sejam fiéis à realidade. Adotei este procedimento como medida preventiva, a partir de ensinamentos budistas, pra não ficar estressada. Afinal, moro no Rio de Janeiro, cidade que por si só já é um estresse só.

Um amigo, que não compartilha destas ideias, viu e adorou. Como eu não iria assistir e tampouco resenhar, solicitei que ele colaborasse, escrevendo o filme. Então, leia em seguida o texto de Henrique Zalt e fique à vontade para palpitar por aqui, acrescentando novos elementos.



Os gêmeos Simon e Jeanne Mawan, adolescentes canadenses, se veem diante do testamento de sua mãe, a imigrante libanesa, Nawal Mawan, que há muitos anos se estabeleceu no Canadá. Neste, a mulher revela que tinha deixado um filho no Líbano, pedindo a eles que tentem encontrá-lo. O pedido inclui ainda que encontrem o pai deles, gêmeos. Jeanne vai ao Líbano atrás do passado desconhecido de sua mãe, munida apenas de sua foto quando jovem e algumas palavras em árabe pintadas ao fundo. Com ela descobre a cidade, a Universidade, e lentamente algumas partes do passado de sua mãe. A seguir, o trailer do filme



Nos anos 70, Nawal era uma adolescente árabe cristã, vivendo numa aldeia no Sul do Líbano, quando eclodiu a guerra entre libaneses cristãos e palestinos mulçumanos refugiados. Sua avó descobre que ela, solteira, estava grávida de um palestino – o que seria uma dupla desgraça para a família. Depois de ficar escondida durante toda a gravidez, ela promete a avó que vai estudar e seu filho é dado para adoção logo após o nascimento. O pai da criança, seu namorado, é morto para honrar o nome da família . Com isto, o espectador já tem uma pequena mostra do ódio que impera entre os povos que habitam o Sul do Líbano.

Já na faculdade, poucos meses depois, a guerra entre cristãos e mulçumanos é declarada e total. Nawal volta pra sua aldeia. No caminho, depara-se com o terror da destruição de aldeias cristãs e casas incendiadas, inclusive a sua. A instituição onde ela achava que seu filho fora adotado também tinha sido incendiada. Milícias cristãs partem para vingança e saem matando indiscriminadamente qualquer civil mulçumano que encontram no caminho, inclusive mulheres e crianças.

Todo o Sul do Líbano está em chamas. Mawan fica estarrecida com a matança indiscriminada de civis e se voluntariza para matar o chefe político das milícias cristãs – apesar dela mesma ser cristã. É presa depois de conseguir seu intento, ficando em cativeiro cristão durante 15 anos. Foi torturada e violentada várias vezes. Teve os gêmeos, que foram escondidos e salvos pela parteira. Quando libertada, foi enviada ao Canadá com os filhos por uma instituição mulçumana que lhe deu apoio e lá criou seus filhos até morrer.

Simon junta-se à Jeanne nesta procura e ambos voltam ao Canadá sem saber o paradeiro exato de seu pai ou mesmo de seu irmão. No Canadá, a história então tem um final assustador. No filme, o diretor, Denis Villeneuve, mostra toda a crueldade, de uma guerra fratricida, contemporânea, vivida há bem pouco tempo. Período pós guerra fria e o fim da polarização política Estados Unidos-União Soviética , onde vários povos diferentes que unidos sob a bandeira da União Soviética, Yugoslávia, Tchecoslováquia partiram para uma guerra nacionalista fratricida e hegemônica, nos Bálcãs e nos arredores russos.

No elenco, alguns atores conhecidos como Remy Girard (o tabelião que acompanha o testamento e sua execução) dos filmes O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras. Quem se atém a detalhes, poderá notar que os hospitais canadenses continuam superlotados e mantendo os pacientes nos corredores, como criticava o professor interpretado por Remy Girard nestes filmes, onde ele se arrependia por ter lutado por uma Saúde Pública e Universal, no Canadá.

O diretor Dennis Villeneuve mantém o clima de terror da guerra, vista sempre pelos olhos dos atingidos por ela: civis, crianças e mães. Mostra Beirute, que era a cidade árabe mais ocidentalizada pelos seus costumes e sua liberdade religiosa, totalmente destruída pelo fogo. Mostra também o clima ainda reinante, quando Jeanne visita as vilas cristãs e mulçumanas e é hostilizada quando cita o nome de sua mãe, como bem se vê no trailer.

A consequência desse ódio é que o Líbano até hoje continua dividido, desunido, e em uma disputa política sem fim, em estado de vigília onde líderes e políticos podem ser mortos a qualquer hora em atentados. Lá, uma guerra está sempre pronta a explodir.

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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica e atende no Centro do Rio

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