Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

19/03/2011

Amarrações de Hollywood

Nathalie Portman  já mostrou  que é excelente atriz, especialmente em Closer e Cisne Negro.  Formada em Psicologia pela Harvard, escolhe na maioria das vezes bons papéis. 

Surpreende que tenha participado da comédia romântica americana No strings attached (cujo título em português é Sexo sem Compromisso). Talvez, ela quisesse apenas se divertir um pouco depois de tanto sofrimento vivendo a frágil Nina em Black Swan.

O contraste entre as duas personagens é enorme: Nina sofre para viver sua sexualidade, Emma a vive sem culpas.  O filme é reprisado à exaustão nas TVs. Mas, caso não tenha assistido ainda, cuidado com os spoilers nos comentários a seguir…

Este filme ajuda a pensar nos relacionamentos homem-mulher nos dias de hoje. O tipo de parceria sexual que Emma e Adam estabelecem está se tornando cada vez mais comum. É um relacionamento casual. “Amigos que transam”.

Amigos com benefícios

Talvez o precursor do gênero chick flick seja Harry e Sally. Mas a diferença entre Sally e Emma é enorme. 

Sally era romântica – apesar de debochada, como a gente viu na antológica cena do orgasmo na lanchonete. Mas  entra em crise após uma noite de sexo com Harry que, por sua vez, também fica em pânico: ele estava tão apegado ao papel de sedutor que não podia demonstrar afetividade. Eles não conseguem conversar sobre o que aconteceu.

Em Sexo sem compromisso, o inverso acontece: Emma (Nathalie Portman), jovem médica, é bastante bem resolvida quanto ao exercício da sexualidade, sem culpas. E Adam é o que sofre, sentindo falta do envolvimento já que Emma estabelece logo de início regras sobre como deve ser a relação dos dois. Apenas cama. ‘Sex friends‘ ou ‘friends with benefits‘. 

Novas heroínas

Quando vão para a cama, Emma vai totalmente contra o estereótipo das mulheres: nada de preliminares, ela quer uma rapidinha antes de ir pro trabalho.

E ela não fica nem um pouco constrangida por ter  preservativos na mesinha de cabeceira. Este é um ponto super positivo do filme: Adam não discute a exigência nem argumenta que ‘quebrou o clima‘ – razão que muitos homens alegam para dispensarem a camisinha, se expondo (e também a parceira) ao risco de contraírem IST´s ou de uma gestação não planejada.

O comportamento sexual deles é responsável e não parece relacionado ao fato dela ser médica. Pode surpreender algumas pessoas por ser uma heroína nada romântica.

Novo homem

Adam contraria o estereótipo de homem. Não é naturalmente ‘pegador’: é um homem ‘gracinha’, sensível e romântico, em contraponto a Emma, que remeteu a um  filme de Robert Altman: Dr. T e as mulheres cuja protagonista, Bree (Helen Hunt), era também bastante racional e controlava as relações. Seu parceiro era o tal Dr. T, ginecologista   interpretado por Richard Gere. 

Nem Adam e nem Emma sentem culpa por um relacionamento exclusivamente sexual, levando a questionar se realmente as novas gerações já conseguiram superar estas contradições entre amor e desejo, ou é algo mais localizado, da cultura americana?

Educação das mulheres

No Brasil, muitas mulheres ainda se sentem culpadas por vivenciarem a sexualidade sem estarem em uma relação compromissada, o que pode ter a ver com aspectos religiosos, tão característicos do país.

Sexo sem Compromisso faz pensar se é realmente possível ter um relacionamento sexual sem gerar expectativas. Na vida real, se as regras não forem muito bem estabelecidas (como no filme), sexo entre amigos pode causar mágoas, abalando a amizade.

O que é dito e declarado como não querer se envolver, na vida real, muitas vezes é interpretado como um desafio. Ou mera questão de tempo.

E aí, depois de semanas, meses ou até anos de ‘investimento’, a frustração pode ser grande ao se descobrir que a outra pessoa se envolveu – de imediato – com outra. “Como assim? Por que ela/ele e não eu?“. Enfim, cuidado sempre é bom ter em se tratando de relacionamentos amorosos. E cuidados especiais quando envolvem amizades verdadeiras.

Conflito de gerações

Tirando um pouco do foco de relacionamentos, dois outros aspectos chamaram minha atenção no filme. Um é a relação que Adam tem com seu pai, vivido por Kevin Kline.

Bem sucedido e admirado, o pai compete com ele o tempo todo, reagindo muito mal ao envelhecimento.

Já a mãe de Emma, viúva, tenta falar sobre seu relacionamento com um namorado enquanto a moça tenta evitar o assunto – de uma forma que muitos jovens fazem, constrangidos ao constatarem que seus pais ainda têm vida sexual.

Rede de amigos

O outro aspecto é a rede de amigos dos dois protagonistas: tanto Adam quanto Emma têm amigos que apoiam, que os ‘salvam’, mesmo que por caminhos tortuosos. Não são do tipo que jogam contra: trazem um pouco de bom senso quando está faltando.

E, na vida real, o apoio dos amigos e as relações com o pai ou a mãe têm uma influência muito maior do que se imagina.

Mas isto seria tema para outro post.

Aguardo os seus comentários sobre estes filmes e os relacionamentos de hoje em dia. 
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Thays Babo é Psicóloga Clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP). Atende a jovens e adultos em terapia individual, terapia pré-matrimonial ou de casal, online e em Copacabana.

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