Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

16/11/2010

Como prever o futuro?

O filme de Woody Allen  Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, no original) foi rodado em Londres, mas poderia se passar em qualquer cidade ocidental. Aborda a necessidade do ser humano de controlar o futuro. Nem que seja através de previsões não confiáveis. 
Temas recorrentes
O foco do filme é o relacionamento amoroso – tema bastante caro ao diretor. A marca autoral está lá: roteiro impecável, humor crítico e inteligente (ainda que se repita), ótimos atores. No elenco, Anthony Hopkins, Naomi Watts, Antonio Banderas e os não tão famosos Josh Brolin e a bela Freida Pinto – conhecida por nós pelo filme Quem quer ser um milionário?. Ah e Lucy Punch – a inacreditável Charmaine. Outro tema que marca a filmografia de Allen brincar com esotéricos (videntes, cartomantes…) ou religiosos, de uma forma geral. Em Tudo pode dar certo, desancou os católicos. Neste, brinca com uma sessão mediúnica. Justiça seja feita, não poupa também sua tradição judaica. Não se engane: qualquer personagem místico ou qualquer toque ‘sobrenatural’ (como em Match Point) não revela um novo Allen – é apenas mais uma oportunidade para fazer humor. Desta vez, a piada começa pelo título, inspirada na fala ‘padrão’ de videntes, cartomantes e que tais. Helena (interpretada por Gemma Jones), recém-divorciada após 40 anos de casamento com Alfie (Anthony Hopkins) busca uma cartomante. A angustiada dona de casa quer saber que rumo dar à sua vida após o divórcio, recorrendo à previsão do seu futuro – e o de  sua filha (Naomi Watts). Ao abordar mais uma vez os relacionamentos amorosos, com suas (des)ilusões, Allen retrata o tédio que pode se instalar em um casamento, mesmo os mais recentes. Brinca com a ilusão de que ao se trocar um relacionamento antigo por um novo consegue-se driblar o tempo e a decadência física. Ou resolver situações como frustração profissional.
Finitude
Allen revisita o pânico diante do envelhecimento e da morte. Em Você vai conhecer… , mais uma vez é o homem, Alfie (Hopkins), que se recusa a aceitar a dura verdade da vida. O principal motivo de seu divórcio é que não suportava ouvir sua mulher constantemente repetindo a verdade que tanto o apavorava. Após a separação, Alfie se empenha para se tornar atraente para as mulheres mas, em vão, tenta se aproximar de mulheres diferentes da sua ex-esposa. Com grande dificuldade de voltar ao ‘mercado’ de solteiros, resolve se casar com uma jovem prostituta, Charmaine. Qualquer pessoa seria capaz de ver que não daria certo, ao conhecer Charmaine. Mas, não adianta, não é mesmo? Todos já vimos este filme, na vida real, inclusive. Há bons momentos, mas não pode sequer constar da lista dos melhores filmes do diretor americano. Uma das histórias que se entrelaça com a de Alfie é a de Roy, seu genro, escritor em crise, cujo último trabalho é rejeitado. O seu fracasso profissional detona uma crise no seu casamento e Roy vive de ilusão. Incapaz de equilibrar o orçamento, conta com a ajuda da sogra, Helena, que se acha no direito de palpitar no relacionamento dos dois, além de se queixar compulsivamente da vida. O problema é que sempre se espera demais de Woody Allen, pelo conjunto da obra. Talvez, exatamente como nos relacionamentos amorosos, o problema seja exatamente este: excesso de expectativa. Mas, vale conferir! Thays Babo (CRP 05/23827) é psicóloga clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO, extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP) e em formação em Terapia do Esquema. Atendo a jovens e adultos em psicoterapia individual, terapia de casal e pré-matrimonial.

14/11/2010

Novos arranjos familiares – velhas questões

Minhas mães e meu pai“, produção americana, foca nos novos arranjos familiares. É uma comédia dramática, que promove reflexões profundas, com que terapeutas familiares têm se deparado nos últimos anos, frente aos novos modelos conjugais.

Serve também como filmoterapia.

Sinopse

As excelentes Julianne Moore e Annette Benning interpretam um casal de lésbicas, Nic (Benning) e Jules (Moore), que decidem ter filhos através de inseminação artificial. Ambas recorrem a um mesmo doador de sêmen.

Quinze anos depois, Laser (Josh Hutcherson) – o filho caçula – quer saber mais sobre sua origem. Nada mais natural e comum, arquetípico até. Laser implora a sua meia-irmã Joni (Mia Wasikowska, de Alice), que tem 18 anos e está de partida para a faculdade, que faça o contato com a clínica de fertilização para encontrarem o pai biológico (Paul, vivido por Mark Ruffalo), sem que as respectivas mães saibam.

Daqui pra frente, spoiler. Pare se ainda não viu o filme e volte depois de assistir.

A princípio relutante, Joni aceita. E gosta tanto de conhecer o pai, tão diferente das mães que, junto com o irmão, acaba revelando a verdade para elas. As mães  ficam um tanto quanto desnorteadas. No entanto, o casal  racionaliza e resolve abrir espaço para o ilustre desconhecido.

Nic (Annette Benning) leva mais tempo na defensiva do que Jules (Julianne Moore). Incomodada com mudanças nos filhos, a partir do relacionamento com o pai, revela  padrões inflexíveis, sentindo-se  ameaçada no seu relacionamento.

Frente à chegada deste novo elemento, a família tem de se reestruturar e rever seus vínculos.  

Novos arranjos familiares

São pelo menos duas questões muito atuais se intercruzando no filme: a família ‘alternativa’ (que pode se configurar como tendo duas mães ou , quem sabe, dois pais) e a fertilização  com doadores anônimos.

Provavelmente a leveza com que trata assuntos tão polêmicos, sem dar espaço a juízos ‘morais’, ajudou a conquistar o prêmio Teddy Bear, no Festival de Berlim (2010), conferido ao melhor longa de temática gay.

Porém, a temática não é de interesse exclusivamente gay, podendo se estender a héteros ou outros ‘rótulos’. O principal é que, em se tratando de relação amorosa e de relacionamento entre pais (e mães) e filhos, algumas questões podem se apresentar iguaizinhas.

O foco não é a batalha contra o preconceito e aceitação na sociedade. Talvez não se apresente como questão para o casal, que vive na Califórnia, e não em um estado conservador…

Famílias são todas iguais?

Disputa de poder, cobranças e inseguranças podem desestruturar uma família, seja ela tradicional ou não.

Filhos e filhas  crescem e se tornam independentes,  e passam a escolher por si sós. Têm de se desemaranhar de seus pais e mães.

Muitos não aceitam estas escolhas e dificultam a independência. Esta dificuldade gera sofrimento e dependência emocional, que pode se arrastar por toda a vida. Gera culpa no(a)s filho(a)s.

A síndrome do ninho vazio é a dor de quem fica e tem de ver ‘a cria’  crescer e ir embora.

A flexibilidade é um fator para manutenção do relacionamento

Independente da orientação sexual  de um casal, algumas questões sempre serão difíceis de lidar. A rotina, a dificuldade de se comunicar e também eventuais infidelidades.

Casais precisam de flexibilidade e de  maturidade para perdoar. Poder recomeçar.  Enfim, um filme sensível, para pessoas que sabem aceitar as diferenças sem jogar pedras.

Porém, fica de fora o debate sobre a bissexualidade de uma das personagens principais. Não é aceita e uma das pessoas é afastada para que se mantenha a harmonia familiar. Ou seja, o “diferente” é visto como ameaça. Tanto em si quanto no outro. 

Enfim, não tão leve como parece no trailer, é drama familiar, com toques de humor. Altamente recomendável para quem gosta de repensar os relacionamentos e ter um outro olhar.

Se quiser comentar, vou adorar conhecer sua opinião.

Thays Babo (CRP 05/23827) é  Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, com formação em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) pelo IPq (USP). Atualmente, faz formação em Terapia do Esquema. 

Atende a jovens e adultos em terapia individual, de casal e pré-matrimonial . Durante a pandemia, apenas atendimento on-line.

06/11/2010

O homem apavorado

Filed under: Espaço Psi-Saúde — Thays @ 16:24

Depois de assistir a O Solteirão, repito as mesmas perguntas que já postei noutros textos meus: ‘quem traduziu o título? Quem produziu o cartaz – e quem escreveu a resenha – assistiu ao filme?’. Se alguém foi ao cinema acreditando que assistiria a uma comédia, como dito em algumas sinopses, se surpreendeu, mais uma vez, com a imaginação dos redatores. Pode até ter se decepcionado.

Fui uma destas pessoas que se surpreendeu. Começando pelo título, o tal ‘solteirão’, Ben Kalmen, interpretado por Michael Douglas, é divorciado, tem filha e neto. O que já é bem diferente do estado civil – e social – que o título prometia, não é, não?

(Um pequeno parêntesis sobre pessoas solteiras. Homens ‘solteirões’, de verdade, devem sofrer ainda mais pressão do que as mulheres, visto serem tão raros. Sim, as mulheres ainda são pressionadas em 2010. A cobrança social varia de acordo com a latitude e longitude em que se mora, bairro e classe social. A facilidade com que se lida com isto está diretamente ligada às inseguranças de cada uma. Quanto aos homens solteiros ou descomprometidos, os que resistem muitas vezes têm sua orientação sexual questionada. Poderiam ser vistos como heróis, por resistirem à pressão, mas, na vida real, são vistos como desajustados, párias ou ameaças. Mostrar que se pode ser feliz sozinho incomoda demais a quem está mal em um relacionamento mas não ousa separar… E tem todo o ‘mito’ de que ‘é impossível ser feliz sozinho’. Enfim, tema para outro post, provavelmente)


Passando ao cartaz, abusaram da computação (Photoshop?), para tratar a imagem de Ben. E a moça de biquini? Provavelmente um recurso (baixo) para atrair os homens a acompanharem suas parceiras / amigas ou pretendidas no filme ‘comédia romântica’. Não sei se conseguiu a missão, que eu saiba não foi um sucesso de bilheteria por aqui.

Mas, deixando a perfumaria de lado, passemos à história, que pode provocar alguma reflexão, para uma plateia mais madura. Ben Kalmen (Michael Douglas) não é um solteirão: ele é um homem solitário – que é o título original. Longe de ser uma comédia, o filme trata de questões existenciais que atingem a todos, como o declínio, o envelhecimento – e, projetando-se no tempo, a morte. Incomoda. E a gente acaba reconhecendo em Ben pessoas que encontramos no nosso dia-a-dia, que também se desesperam e usam estratégias (risíveis para algumas pessoas, tristes para outras) para se esquecerem de que envelhecem.

O filme começa com Ben, um bem sucedido vendedor de carros, indo a uma consulta médica de rotina. Seu médico pede alguns exames para esclarecer uma suspeita de cardiopatia. Há um avanço no tempo, e o filme retoma mostrando Ben 6 anos depois da última consulta. Ah, se não viu o filme, pare por aqui para não saber mais do que deveria. À frente, há spoilers, sendo o trailer o principal.

Ben perde tudo o que tinha construído, divorcia-se e tem uma relação com a filha totalmente inadequada. Namora uma mulher poderosa, interpretada por Mary-Louise Parker, que pode ajudá-lo a recuperar tudo o que tem. Este é o motivo para estar com ela – mas Ben a trai sistematicamente. A filha dela (a ótima Imogen Poos) percebe quem ele é, melhor do que a mãe, e o desafia e provoca o tempo todo. Ele mete os pés pelas mãos e joga fora a melhor possibilidade de reconstruir o futuro. Facilmente torna aliados em inimigos.

Ao longo do filme, vemos que Ben não foi sempre assim. A possibilidade de estar doente fez com que ‘pirasse’, entrando em um processo acelerado de autodestruição. Com o desespero e a bancarrota, constata a solidão intrínseca. E só a piora. Não se conformar com estes ‘presentes da existência’, costuma ser algo muito destrutivo. Ben colabora ativamente para que suas relações se deteriorem, inclusive as familiares. A plateia pode reconhecer tipos como ele, encontrados na vida real. Talvez não tão ricos e poderosos, como ele foi um dia, mas que de uma vida ‘estável’ vão à miséria (ainda que só afetiva), se afundando completamente.

Talvez o melhor do filme seja os vínculos verdadeiros que ele estabeleceu ao longo da vida. São poucas as pessoas com que pode contar: basicamente, só sua ex mulher (Susan Sarandon) e seu amigo de adolescência lhe estendem a mão, surpresos com o rumo que sua vida tomou. Sua filha se afasta por profilaxia, aconselhada pelo marido e sua psi.

Mas, talvez, o que lhe ensine mais é a amizade com um jovem estudante, que o admira, por conselhos que poderiam ter sido muito mal aproveitados. Ben então é obrigado a recomeçar, a contragosto e se vê tão perdido como muitos jovens se veem na hora de decidir o futuro. Mais desesperado: ele só vê, à frente, a sombra do que já foi e não tornará a ser.

Espero seu comentário. Se quiser comentar, clique no título deste post que automaticamente aparece uma janelinha aqui no final do texto. Até breve! 😉

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