Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

10/07/2010

Estrela Brilhante


O novo filme da diretora neozelandesa Jane Campion, premiada por O piano, de 1993, decepciona quem vai atrás da paixão prometida no título (brasileiro) e no cartaz, que passa sensualidade, sem vulgaridade. ‘Paixão’, em geral, faz a imaginação disparar: esperam-se cenas calientes, adrenalina, que os sentidos sejam arrebatados em loucuras. Bane-se o bom senso. Não é sobre isto que Brilho de uma paixão vai tratar. Quem se interessa pela Psicologia do Amor (sim, existe este ramo da Psicologia) e pelos relacionamentos amorosos ao longo da História não sairá decepcionado da sala de projeção.

Aliás, este filme é um daqueles que se tem de assistir no cinema. A tela de tv, por maior que seja, prejudica bastante. Deixe-se arrebatar pela fotografia , uma das principais personagens na sala escura. A outra é a poesia: Estrela Brilhante, título original, é o nome de um dos poemas do protagonista. Para quem não tem o hábito de ler poesia, o filme não é ‘fácil’ por conta do vocabulário e das declamações que, juntamente com o ritmo, lento, podem causar sono para alguns espectadores.

O ritmo lento pode irritar os que gostam de filmes com muita ação, adrenalina e explosões. Mas o que se poderia esperar de um filme de época, sobre o relacionamento entre um poeta e sua amada? O poeta em questão é o romântico John Keats (Ben Wishaw), com 25 anos à epoca em que conhece sua eleita, Fanny Browne (Abbie Cornish, muito parecida com Nicole Kidman antes do botox). Fanny tinha então 19 anos e era sua vizinha. Criativa e talentosa, sua arte era a costura e se apaixona logo por Keats, que ainda estava iniciando na sua arte – a poesia. Ela faz de tudo para trazê-lo para mais perto dela e com isto vivem, romanticamente, aquilo sobre o que escrevem os poetas da época: o amor impossível, inalcançável. E não porque não fosse correspondido. A impossibilidade se dava por diferenças econômicas: Keats era um pobretão, morando de favor na casa de um amigo. A história se passa em 1818, quando seu talento ainda não reconhecido. Keats era incapaz de sustentar a amada.  No círculo que frequentavam, o casamento era muito importante. Existia implicitamente um sistema de castas – sem este nome, é claro. Não havia tanta mobilidade social – o que justificava tamanha vigilância do comportamento das moças. Se ficassem mal faladas, perderiam um casamento ‘proveitoso’. Sim, os interesses financeiros eram os que mais importavam nos relacionamentos até bem pouco tempo.

(Como nas resenhas anteriores, deixo a recomendação de não ler se não assistiu ao filme ainda, para não perder o pouco de surpresa que há nele.)

O que impede a união da jovem Fanny e John Keates é, portanto, a condição financeira do rapaz. Mas, pelo menos no filme, é o próprio Keats que se impede de desposá-la já que a família Brawne era bem receptiva ao poeta. A mãe não impedia sua idas e vindas para cortejar Fanny, a mais velha de 3 filhos, e mesmo sugere que ele volte em breve para casar com ela. Vemos ali uma família que já começa a ter autonomia frente à vigilância da sociedade, indo de certa forma contra os bons costumes. Não há acusações, o diálogo existe e todos os membros se respeitam e ajudam mutuamente. Aliás, que família! O título deveria ser ‘O brilho de uma família’. O elenco está impecável, principalmente a menininha que interpreta a irmã mais nova, Toots. Sempre que aparece, provoca um frisson nos espectadores. Pode ser que seja uma ‘licença poética’ da diretora – caso alguém saiba mais detalhes sobre a família Brawne, eu me interessaria bastante em saber, pois me parece uma precursora de um comportamento mais moderno.

A amizade entre Keats e Brown, que a princípio o ajuda financeiramente mas fica profundamente irritado com o envolvimento de Keats e Miss Brawne, deixa no ar uma possível atração homoerótica, não consumada. Brown faz de tudo para atrapalhar o romance. Até mesmo casar e se afastar de Keats, deixando-o em uma condição ainda mais penosa, financeiramente.

A postura do poeta é a que já conhecemos como típica do romantismo: sacrifica-se ainda jovem, sofre profundamente. John Keats, frente a possibilidade de ficar mais próximo ainda de mulher que ama, recusa-se e se mantém fiel a seus ideais: “tenho escrúpulos”. Não sucumbe à paixão, que fica no título brasileiro. O sentimento de um e outro é o amor puro, que sacrifica e vive de pequenos gestos e momentos. Quando percebe que não poderá mesmo ter a amada, Keats evita prejudicar seu futuro. Não quer que ela fique desmoralizada, impedindo-a de casar-se. Renuncia – de forma impensável aos ‘relacionamentos líquidos’ de hoje em dia, rotulados (erradamente?) como amor. Fanny retribui esta postura com uma fidelidade absoluta. Talvez espectadores das telenovelas – onde correntemente dados históricos são mudados para conquistar uma boa audiência e ter um final feliz- sintam-se bastante frustrados com o desfecho do filme, que se mantém fiel à vida real de Keats.

Brilho de uma paixão é, portanto, um filme que fará suspirar aqueles que sonham com amores que duram para sempre e se esforçam por ter um assim. Os que não entendem como é possível sacrificar-se (tornar sagrado) por uma história de amor ou acham que ‘a fila não anda, voa‘ provavelmente se entediarão. Fica a indicação para pessoas sensíveis.
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Thays Babo é psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende a jovens e adultos, em terapia individual e de casal, em Copacabana.

02/07/2010

As voltas que a vida dá…

Filed under: Espaço Psi-Saúde — Thays @ 16:24

Hoje, 2 de julho de 2010, foi um dia triste para grande parte do povo brasileiro. Tudo porque a Seleção Brasileira de Futebol foi desclassificada pela Holanda e deu adeus à possibilidade de ter o título inédito de hexacampeão. Nova chance agora só em 2014, quando sediaremos a Copa.


Não foi certamente a nossa pior derrota em uma Copa. Das que eu me lembro, marcantemente triste foi a de 82, quando fomos desclassificados pela Itália. (Talvez a derrota para o Uruguai, na final, em pleno Maracanã, tenha sido ainda mais dolorosa, não sei. Juro que não estava lá). Não tenho a pretensão, em um blog sobre psicologia, de fazer um revival – aliás, nem tenho competência técnica para isto. Mas, afinal, o que podemos tirar desta lição, para nossas vidas, individuais?

Várias lições são possíveis. Uma delas é básica e clichê: “o futebol é uma caixinha de surpresas”. Não sei quem foi o ‘filósofo’ que proferiu esta frase, mas foi uma definição perfeita. E sabe o que é melhor? É isto mesmo! O fator surpresa deve fazer parte das nossas vidas, sem que nos tire do eixo, sem que ‘surtemos’. Na dúvida, consulte um/a psi! 😀 Brincadeiras à parte, foi por não saber lidar com o fator surpresa, que a equipe brasileira dançou hoje, após fazer um primeiro tempo empolgante. A torcida, enfim, começou a acreditar de novo na Seleção.

A surpresa já tinha nos desestruturado, nesta mesma Copa. Ao final do jogo contra a Coreia do Norte, aturdido com o cartão amarelo recebido por Ramirez no finalzinho do segundo tempo, o time vacilou. O adversário, muito fraco e que foi logo desclassificado, não perdeu a oportunidade de marcar seu gol – feito histórico para eles. Nesta partida eliminatória contra a Holanda, ao empatar, o time brasileiro, ao invés de mirar a virada – ou, pelo menos, levar a partida pros pênaltis – simplesmente se entregou, se desesperou. Não é a primeira vez que isto acontece.


Mas, não adianta ficarmos na lamentação: temos de ir em frente, a vida continua. Como disse Drummond, que depois da derrota de 82 escreveu uma belíssima crônica, publicada no dia seguinte no Jornal do Brasil, é ‘perder, ganhar, viver’. No texto, o escritor mineiro questiona qual seria o valor de ter a vitória garantida, de só ir buscar a taça, como se fosse nossa de direito. Confira aqui!

Drummond não testemunhou a mudança do futebol brasileiro, que tem sido bastante criticado por quem ainda quer ver futebol arte. No entanto, o que mais se vê são desvarios nos clubes, com jogadores se achando onipotentes. Como ídolos, muitos têm pés de barro, e alguns são vergonhosamente indisciplinados (o que deveria ser percebido como anti-esportivo…). Mesmo assim, são adorados por uma torcida que se projeta neles, se identificando muitas vezes por sua origem mais humilde. Enfim, este vínculo se retroalimenta e os jogadores seguem com uma conduta deslumbrada pela combinação de prestígio e poder de consumo que, de repente, conquistam, já que o esporte envolve cifras milionárias. A mídia os alça à condição de ídolos, sem terem o menor preparo emocional para isto. Bem, nem podemos falar isto da seleção escolhida por Dunga, que foi bem disciplinadinha. Mas , convenhamos, o que faltou foi equilíbrio emocional. Ainda são poucos os times que investem em Psicologia do Esporte (desconheço se havia na Copa algum apoio deste tipo, quem souber me informe).

Ser emocional é uma característica de boa parte dos brasileiros. Nossos atletas – de todas as modalidades esportivas, tanto homens quanto mulheres – são fortemente pressionáveis. Lembro-me de várias partidas já ‘ganhas’ que foram perdidas, no último minuto, por despreparo emocional. Em vôlei e basquete então, já perdi as contas. Está na hora dos dirigentes dos esportes apostarem em um trabalho sério, não só ‘muscular’ ou tático, mas de apoio ao atleta e às equipes, para resistirem tanto à pressão da torcida quanto à da mídia ou mesmo a reagir de forma focada mesmo às situações imprevistas, acontecidas em campo, enquanto a bola está rolando. Jogar só com o coração é pouco, não ganha partida, não ganha torneio.

E assim como é no futebol, é na vida. Não há garantias, não são sempre os mesmos vencedores, os mesmos perdedores. O futebol reflete a mesma impermanência de todas as coisas. Uns dias a gente ganha, hoje não. E, como lembra Drummond, vamos começar a trabalhar já que estamos na metade do ano?

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Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende no Centro (Rio – RJ)

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