O novo filme da diretora neozelandesa Jane Campion, premiada por O piano, de 1993, decepciona quem vai atrás da paixão prometida no título (brasileiro) e no cartaz, que passa sensualidade, sem vulgaridade. ‘Paixão’, em geral, faz a imaginação disparar: esperam-se cenas calientes, adrenalina, que os sentidos sejam arrebatados em loucuras. Bane-se o bom senso. Não é sobre isto que Brilho de uma paixão vai tratar. Quem se interessa pela Psicologia do Amor (sim, existe este ramo da Psicologia) e pelos relacionamentos amorosos ao longo da História não sairá decepcionado da sala de projeção.
Aliás, este filme é um daqueles que se tem de assistir no cinema. A tela de tv, por maior que seja, prejudica bastante. Deixe-se arrebatar pela fotografia , uma das principais personagens na sala escura. A outra é a poesia: Estrela Brilhante, título original, é o nome de um dos poemas do protagonista. Para quem não tem o hábito de ler poesia, o filme não é ‘fácil’ por conta do vocabulário e das declamações que, juntamente com o ritmo, lento, podem causar sono para alguns espectadores.
O ritmo lento pode irritar os que gostam de filmes com muita ação, adrenalina e explosões. Mas o que se poderia esperar de um filme de época, sobre o relacionamento entre um poeta e sua amada? O poeta em questão é o romântico John Keats (Ben Wishaw), com 25 anos à epoca em que conhece sua eleita, Fanny Browne (Abbie Cornish, muito parecida com Nicole Kidman antes do botox). Fanny tinha então 19 anos e era sua vizinha. Criativa e talentosa, sua arte era a costura e se apaixona logo por Keats, que ainda estava iniciando na sua arte – a poesia. Ela faz de tudo para trazê-lo para mais perto dela e com isto vivem, romanticamente, aquilo sobre o que escrevem os poetas da época: o amor impossível, inalcançável. E não porque não fosse correspondido. A impossibilidade se dava por diferenças econômicas: Keats era um pobretão, morando de favor na casa de um amigo. A história se passa em 1818, quando seu talento ainda não reconhecido. Keats era incapaz de sustentar a amada. No círculo que frequentavam, o casamento era muito importante. Existia implicitamente um sistema de castas – sem este nome, é claro. Não havia tanta mobilidade social – o que justificava tamanha vigilância do comportamento das moças. Se ficassem mal faladas, perderiam um casamento ‘proveitoso’. Sim, os interesses financeiros eram os que mais importavam nos relacionamentos até bem pouco tempo.
(Como nas resenhas anteriores, deixo a recomendação de não ler se não assistiu ao filme ainda, para não perder o pouco de surpresa que há nele.)
O que impede a união da jovem Fanny e John Keates é, portanto, a condição financeira do rapaz. Mas, pelo menos no filme, é o próprio Keats que se impede de desposá-la já que a família Brawne era bem receptiva ao poeta. A mãe não impedia sua idas e vindas para cortejar Fanny, a mais velha de 3 filhos, e mesmo sugere que ele volte em breve para casar com ela. Vemos ali uma família que já começa a ter autonomia frente à vigilância da sociedade, indo de certa forma contra os bons costumes. Não há acusações, o diálogo existe e todos os membros se respeitam e ajudam mutuamente. Aliás, que família! O título deveria ser ‘O brilho de uma família’. O elenco está impecável, principalmente a menininha que interpreta a irmã mais nova, Toots. Sempre que aparece, provoca um frisson nos espectadores. Pode ser que seja uma ‘licença poética’ da diretora – caso alguém saiba mais detalhes sobre a família Brawne, eu me interessaria bastante em saber, pois me parece uma precursora de um comportamento mais moderno.
A amizade entre Keats e Brown, que a princípio o ajuda financeiramente mas fica profundamente irritado com o envolvimento de Keats e Miss Brawne, deixa no ar uma possível atração homoerótica, não consumada. Brown faz de tudo para atrapalhar o romance. Até mesmo casar e se afastar de Keats, deixando-o em uma condição ainda mais penosa, financeiramente.
A postura do poeta é a que já conhecemos como típica do romantismo: sacrifica-se ainda jovem, sofre profundamente. John Keats, frente a possibilidade de ficar mais próximo ainda de mulher que ama, recusa-se e se mantém fiel a seus ideais: “tenho escrúpulos”. Não sucumbe à paixão, que fica no título brasileiro. O sentimento de um e outro é o amor puro, que sacrifica e vive de pequenos gestos e momentos. Quando percebe que não poderá mesmo ter a amada, Keats evita prejudicar seu futuro. Não quer que ela fique desmoralizada, impedindo-a de casar-se. Renuncia – de forma impensável aos ‘relacionamentos líquidos’ de hoje em dia, rotulados (erradamente?) como amor. Fanny retribui esta postura com uma fidelidade absoluta. Talvez espectadores das telenovelas – onde correntemente dados históricos são mudados para conquistar uma boa audiência e ter um final feliz- sintam-se bastante frustrados com o desfecho do filme, que se mantém fiel à vida real de Keats.
Brilho de uma paixão é, portanto, um filme que fará suspirar aqueles que sonham com amores que duram para sempre e se esforçam por ter um assim. Os que não entendem como é possível sacrificar-se (tornar sagrado) por uma história de amor ou acham que ‘a fila não anda, voa‘ provavelmente se entediarão. Fica a indicação para pessoas sensíveis.
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Thays Babo é psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende a jovens e adultos, em terapia individual e de casal, em Copacabana.