Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

30/12/2009

Por um 2010 pleno de realização

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nem adeus ao ano velho
nem boas vindas ao ano novo.
apenas
a eternidade do aqui-agora.



25/12/2009

Casais em Crise (de criatividade)

Com muitos fãs brasileiros, o cinema argentino produziu uma comédia romântica bem leve: Um namorado para minha esposa. O filme brinca com a falta de comunicação entre casais, muito frequente quando se enfrenta uma crise conjugal. Por isto, a comunicação é uma das principais habilidades a serem treinadas em terapias de casal.

Por trás das risadas, casais em crise que assistam ao filme podem ficar incomodados com a grande ‘verdade’: “O casamento é a principal causa de divórcio”

“Tenso” e Tana Ferro são casados. Ele vive infeliz com o jeito de sua mulher, que não para de reclamar, desde que acorda, fuma feito louca e não faz nada o dia inteiro. Pra piorar, detesta os amigos dele, constrangendo-o até não poder mais. Nos primeiros minutos de projeção, a simpatia vai toda para “Tenso”. A gente se pergunta como ele pode escolher alguém assim e não entende como lhe falta coragem de pedir para separar. Seus amigos dão uma força, dizendo que é a única saída e até ensaiam a fala com ele. E um deles apresenta a louca ideia de contratar um famoso sedutor, partindo da premissa que ela também não resistirá e tomará a iniciativa de deixar Tenso, deixando-o livre e sem culpa. Isto já seria um bom motivo para terapia, concordam?Tana se irritava demasiadamente com a mediocridade humana, que a tirava do sério. Apesar do excessivo jeito reclamão, nenhuma reclamação era totalmente descabida. Só demonstrava sua falta de traquejo social e irritabilidade. E ao longo do tempo, em um relacionamento, vai pesando. Talvez tivesse um transtorno de humor, leve, super tratável. Ou seria só rotina?A escolha dos nomes dos protagonistas não deve ter sido aleatória: Diego Polsky seria Tenso por ter casado com uma Ferro? Todos sabem que o ferro, se aquecido, se molda. E é a isto que assistimos ao longo do filme, com a transformação de Tana. Diego, que era muito boa gente, não tinha noção de quem era a mulher com quem se casara. E, não, não é nada disto que você está pensando. Ao contratar o sedutor, Diego fica surpreso com a auto-confiança de Cuervo Flores, que é inacreditável, diga-se de passagem. Quer controlar a situação, mas tem de ceder à constatação de que Tana vai se transformando a partir da aparição do sedutor. Quer dizer, é o que parece durante boa parte do filme.Na terapia de casal, fica claro que ambos viam a relação de forma totalmente diferente – o que é , aliás, bem comum em casais em crise, em que um dos dois quer (ou diz que quer) a separação e o outro não. Apesar de argentina, esta comédia romântica não fugiu ao final feliz dos filmes hollywoodianos. Nada tão grave que seja contra-indicativo para conferir._________________Thays Babo é psicóloga e Mestre em Psicologia Clínica, pela Puc-Rio. Atende no Centro do Rio e na Zona Sul, em terapia individual e de casal.

09/12/2009

Julie & Julia – projetos e projeções

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Filme com Meryl Streep sempre desperta a vontade de conferir como a atriz veterana se saiu. E não foi diferente com Julie & Julia, que fui conferir, mesmo sendo sobre culinária, assunto que não me interessa particularmente – apenas como ‘degustadora’. Uma dica: escolha um cinema próximo a um bom restaurante. Afinal, é tudo o que você vai querer depois de 2 horas de filme – nem precisa ser francês… 😉

No elenco, também está Amy Adams, que contracenou com Streep em A Dúvida (comentado aqui, em https://www.analista.psc.br/blog/?p=465 ), pelo qual ambas foram indicadas ao Oscar (respectivamente de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Atriz), sem que nenhuma levasse. Julie & Julia foi classificado por um jornal como drama, em um site especializado rotulado como romance, mas, o filme é um daqueles ‘inclassificáveis’, que não se encaixam facilmente em tipos. Prevalecem momentos de comédia, mas tem sim drama e questões existenciais… Vamos então à sinopse.

No início dos anos 2000, Julie Powell (Amy Adams) é uma jovem americana casada, que acaba de se mudar com o marido para um apartamento que não é o de seus sonhos, no bairro de Queens. Seu trabalho, literalmente, a faz chorar no dia-a-dia. Quando se compara a suas amigas, executivas muito bem sucedidas, Julie sente-se pior do que poeira, em plena crise dos 30 anos. Não finaliza nenhum projeto e até acredita que tem distúrbio de déficit de atenção (DDA). A relação com a sua mãe mereceria horas e horas de análise, em qualquer abordagem psicoterapêutica… 😉



Felizmente, Julie tem um marido maravilhoso, super compreensivo que, quando percebe que ela está prestes a emburacar em uma lamentação sem fim, ou pior, em uma depressão, relembra a ela sua vocação de escrever. Ajuda-a a criar um blog e escolher o tema, que não pode ser outro senão o que mais lhe dá prazer: cozinhar. O projeto de Julie é testar um clássico da culinária americana, escrito por Julia Child, em um prazo de um ano. E quem é Julia Child?

Mrs. Child, interpretada por Meryl Streep, é uma americana que se muda para Paris com o marido, no pós-guerra. Encantada com a culinária francesa, resolve aprender a cozinhar. Para isto, tem de enfrentar a famosa barreira que franceses costumam erguer contra todos os que não dominam o idioma – e em especial contra americanos. Há também as diferenças culturais: ela, acostumada a trabalhar, tem de entrar em um mundo masculino, enfrentando duplo preconceito. Child é obstinada (talvez até com traços obsessivos) e treina, faz parcerias e consegue enfim realizar seu sonho. O prazer de preparar um prato e dominar os segredos dos temperos e suas combinações une as duas, Julia e Julie. Aprendem a duras penas, separadas, cada uma a seu tempo e em seu tempo, a como atender as suas vocações – o que já poderia gerar outro post, sobre a dificuldade que temos em descobrir ou atender ao ‘chamado’, da voz interna.

Julie se disciplina para cumprir seu prazo espartanamente. Era uma típica ‘serventless‘: não tinha empregada e, após sua jornada de trabalho, tinha de se desdobrar para atender ao modo de preparo francês – que não é dos mais simples… Os amigos mais próximos de Julie são privilegiados, convidados para desgustarem as receitas, diariamente testadas e postadas no blog. Mas o blog era mais do que isto pois nele Julie também expressava suas dificuldades e emoções. No início dos anos 2000, a mania dos blogs ainda estava começando e é interessante ver o quanto Julie tem dúvidas sobre se é lida ou não – e também a sua satisfação na medida em que começa a interagir com seus ‘leitores’. Satisfação e dúvida sentidas até hoje por quem resolve partilhar com ilustres desconhecidos :). Era um co-terapeuta, sendo a terapeuta principal ela mesma. Há uma leve crítica não só a quem escreve qualquer bobagem – mas a quem acompanha tudo isto…

Se você ainda não viu o filme e não quer saber como termina, pare por aqui – depois do trailer haverá spoilers



Baseado em fatos reais, em dois livros, a roteirista manteve o ‘desencontro’ Julie e Julia, não caindo na tentação do final feliz americano. Nem ao menos tentou justificar a recusa da velhinha – que devia ser simpática, como foi ao longo da vida – em conhecer sua ‘cria’. O que será que aconteceu para que ela erguesse esta barreira? Vamos às elocubrações?

Será que Julia Child, na ‘vida real’, acessou o blog e acompanhou a trajetória da heroína Julie Powells? Se não o fez (e isto realmente não sei, alguém dispõe desta informação???) pode ter imaginado que Julie a queria destronar. Então tanta agressividade pode ter sido puro medo. Ou mesmo ranzinzice. Uma recusa (arquetípica?) do velho (senex) de se abrir e interagir com o novo (puer). A mitologia grega mostra isto através de deuses que, por não quererem dividir o poder, matam. Julia Child, com sua declaração a um repórter, bem que tentou ‘apagar’ Julie, diminuir sua importância. O que não deixa de ser um tiro no pé: quantas pessoas não conheceram Julia Child apud Julie Powell? Fato é que Julia, que não teve filhos – e que ficou sabidamente frustrada com isto, como vemos em duas cenas -, não soube lidar com a ideia de uma herdeira ‘virtual’, não planejada. Em vez de herdeira, enxergou uma usurpadora.

Sorte de Julie, que não soçobrou, nem se deixou ‘matar’. Como bem lembrou seu marido (um ‘santo’, como ela costumava dizer, sob seus protestos), ela construiu uma Julia Child, fantasiou, projetou valores que talvez não existissem na Julia da vida real. Talvez Julie esperasse encontrar em Julia a mãe amorosa e incentivadora que gostaria de ter tido – muito diferente daquela que se apresentava ao telefone, mas por quem até se nutre uma simpatia, ao final da projeção. Mudando a si, Julie conseguiu melhorar todas as relações à sua volta. Uma receita e tanto.

06/12/2009

Abraços Partidos

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Sendo Almodóvar um dos meus diretores de cinema favoritos, não é de se estranhar que, assim que pude, fui conferir seu filme mais recente, Abraços Partidos, que finalmente estreou no Rio, depois da exibição no Festival, em outubro.

Não sabia muito a respeito do filme, nem tinha conferido os trailers (muitas vezes, eles ‘estragam’ o filme, mostrando as melhores cenas, fazendo com que o fator surpresa desapareça, ou usando cenas que, editadas, nem entram no filme. Pior ainda quando fazem o filme parecer mais atraente do que é, na verdade). Além da presença de Penélope Cruz, sabia apenas das referências ao Mulheres à beira de um ataque de Nervos e que era sobre um cineasta que perdia sua musa em um acidente de carro.

Assisti e gostei. Antes de escrever, no entanto, li na internet comentários, tanto da mídia como em blogs . Muitos o situam como um Almodóvar ‘menor’. Dentre estes, alguns ressalvam que mesmo um ‘menor’ é ainda superior à maioria das películas em exibição por aí – e nisto concordo totalmente. Na minha opinião de não cineasta, no entanto, este não é um Almodóvar ‘menor’. Apesar de Abraços não estar, a meu ver, no mesmo nível de um Fale com ela – este sim, para mim, a sua obra-prima, até agora – ele é realmente muito superior à profusão de bobagens que se veem na tela. E, afinal, quantas obras primas alguém consegue fazer na vida? 🙂


Vários olhares e leituras são possíveis sobre este filme. Um resumo simplório seria ‘Abraços Partidos retrata como a obsessão de dois homens por uma mesma mulher pode ser destrutiva’. Outras possibilidades seriam: ‘Almodóvar mostra como as relações entre filhos e seus pais podem ser determinantes tanto na vida destas, prolongando-se mesmo depois da morte’. Ou ter como subtítulo “o poder (destrutivo?) dos segredos”. Ou “como o ciúme pode ser um monstro venenoso”. Um crítico cínico poderia dizer ainda que “o amor cega” e psicólogos poderiam usar o filme para exemplificar como “a culpa não serve para nada, a não ser destruir as pessoas, corroendo os vínculos e por dentro ao longo de nossas vidas”.

Enfim, Almodóvar junta todas estas questões em um só filme. Suas marcas, presentes ao longo da sua carreira, estão lá: o colorido esfuziante, os saltos altos, alguns dos atores com quem já trabalhou. Aos dois principais, Penélope Cruz e Lluís Homar (não muito conhecido por aqui, que atuou em Má educação), juntam-se Lola Dueñas (que representou a irmã de Penélope, em Volver) e Rossy de Palma, em uma ‘pontinha’ (em referência a seu próprio filme que o tornou famoso aqui no Brasil, Mulheres à beira de um ataque de nervos. Pode ser apenas um auto-elogio mas não deixa de ser engraçado).

Portanto, não é um filme tão simples como pode parecer à primeira vista. Certamente podem-se pensar vários outros aspectos, inclusive em sua homenagem ao cinema, pela presença de várias ‘citações’. Sente-se um clima ‘hitchcockiano’ no desenrolar da história. E não faltam pinceladas de humor também, em doses pequenas, precisas para não diluir a tensão, como na cena em que o diretor ouve a sinopse de um novo filme de vampiros. Ou quando a produtora amiga de Mateo confessa um segredo longamente guardado ao filho, que diz o quanto era um segredo ‘óbvio’. A forma com que Almodóvar explica todos os mistérios, rapidamente no final, lembra até as novelas brasileiras, em que tudo se resolve no último capítulo. Para aqueles que acharam o filme longo demais, pode ser um ponto crítico…



(Se você ainda não viu o filme, melhor conferi-lo ANTES de continuar a leitura, para não saber o desfecho. Se viu, relembre com este trailler, com pedaços de legenda…)

O que salta como trama principal é a obsessão de Ernesto pela sua jovem secretária, Lena (Penélope Cruz). Aspirante à atriz, eventualmente fazia programas para cobrir suas despesas. Em um momento crítico, cede às investidas do patrão, rico e poderoso, que a ajuda a resolver os problemas de família. Vai então viver com Ernesto mas ela se mostra entediada, querendo trabalhar e voltar a tentar sua carreira. O empresário que tem um filho de um dos seus casamentos anteriores, que rejeitava por conta de sua homossexualidade, o incumbe de acompanhar Lena, que finalmente consegue um papel em um filme do diretor Mateo Blanco(Lluís Homar). Ernesto Pai, querendo manter a mulher a seu lado, resolve controlar a situação, produzindo a película. Em pouco tempo, Mateo e ela se envolvem amorosamente e tudo é documentado no ‘making of’ rodado por Ernesto Filho. Somente em retrospectiva é que sabemos do drama, causa mortis de Lena.


À morte de Lena, se soma a cegueira de Mateo, que assume o pseudônimo Harry Caine (que, na pronúncia espanhola, parece “hurricane”, ciclone em inglês – ou ainda tempestade). Harry nunca assistiu ao filme que abandonara antes de finalizar, para fugir com Lena. E só depois de 14 anos do acidente as peças se encaixam possibilitando que enfrente o passado e reassuma seu nome de verdade. O pensamento Kierkegaardiano (“A vida só pode ser entendida em retrospectiva. E só pode ser vivida olhando-se pra frente”) talvez seja a melhor expressão da missão que o Harry Cane/Mateo Blanco tem pela frente, para honrar seu passado. De uma forma bem sutil, o recado, como em Fale com Ela, ainda é a urgência do diálogo. Clarificando as situações fatalidades podem ser aceitas para, a partir daí, se seguir em frente.

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Thays Babo é psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende no Centro.

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