A ‘facilidade’ com que se diagnosticam hoje as mais diversas síndromes e transtornos e a profusão de gente medicada tem sido muito discutida nos círculos psis. Ok, os métodos diagnósticos evoluíram, tem-se uma facilidade de comunicação e maior conhecimento mas, para que tudo isto tem servido?
Em um Congresso de que participei, ouvi que a indústria que mais lucra, depois da bélica, é a indústria farmacêutica. Não tenho os números, mas quem precisar deles não deve ter dificuldades em confirmar este dado, buscando online. A informação veio inserida em uma palestra sobre Viagra, que ajuda muitos homens com reais dificuldades eretivas mas, por outro lado, atrai jovens inseguros, que não precisariam do remédio. Correm os riscos do uso inadequado justamente porque não querem pensar no que angustia nos relacionamentos em que se veem envolvidos.
Um indicador ‘bandeiroso’ do poder dos fabricantes se reflete na quantidade de capas que as revistas semanais dedicam ao tema: remédios antidepressivos, inibidores de apetite, talvez sejam as categorias mais visíveis. Vira e mexe estão estampados e pendurados na banca mais próxima de sua casa, estimulando a compra. Se antes era estigmatizante, hoje confere um certo ‘charme’ dizer que se está deprimido, usando remédios – para dormir, para acordar, para amar.
Algo está errado, não?
Não que não se possa tratar o que precisa mesmo de apoio medicamentoso. Seria desumano, seria retrógrado. E existem crises depressivas sim, obviamente. Mas quando foi que paramos de ter condições de enfrentar a vida e as situações corriqueiras?
Muita gente procura um diagnóstico psiquiátrico simplesmente porque não se vê dentro de um padrão de felicidade (muitas vezes só fake, de revista de celebridades, ou comercial de margarina). Fugir ao padrão midiático é algo insuportável.
Não vou me estender aqui neste espaço, que é apenas um blog. Seria muito pretensioso. Congressos, palestras e livros têm proposto discutir o assunto… Este texto é só uma provocação reflexiva tipo “Pare e pense: o que você está fazendo com seus problemas. Anestesiar a dor é melhor?”.
Esta onda de indignação em mim foi provocada por um portal bastante acessado (não vou divulgar o link para não estimular o ‘teste’) que fez uma chamada com a pergunta: “Você possui transtorno bipolar”? Fiquei realmente chocada com a displicência e irresponsabilidade do chamamento… Uma série de frases , que admitem respostas do tipo ‘sim’ ‘não’, ajudam a chegar no ‘diagnóstico’. Mas, no mesmo site, outro link leva a outra matéria onde se diz que o diagnóstico da bipolaridade pode levar até 10 anos… Está se indo de um ponto em que era um estigma ser bipolar (o antigo PMD) para ser ‘desejável’ ter este rótulo.
Médicos e psicólogos ‘críticos’ apontam também a enorme quantidade de crianças diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção. A mesma pergunta se coloca: aumentaram mesmo? A sociedade mudou mas foi no nível psi ou neurológico? Ou são as condições que damos às crianças, que as impedem de extravasar uma enorme quantidade de energia, que afeta onde antes era mais normal? Mais fácil dopar uma criança do que sair para brincar?
Bem, talvez seja mesmo – mas aí outra questão se coloca: estamos disponíveis para sermos pais e mães ou ter filhos é mais uma exigência social, parte do papel a se cumprir? Quantas pessoas realmente têm disponibilidade para abrir mão de si, em algumas fases, como crianças demandam?
Enfim, talvez o melhor remédio para tudo seja questionar a vida de uma maneira geral. Dói, mas pode passar. Mesmo não passando, ‘fortalece’, sem os efeitos colaterais que a maioria das medicações traz a reboque.