Espaço Psi-Saúde Site & blog da psicóloga Thays Babo

26/03/2009

Deu no Yahoo

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Matéria  disponível no site Yahoo relata e questiona a existência de terapeutas que ainda acreditam que a homo e a bissexualidade sejam doenças. A pesquisa mencionada foi feita na Inglaterra. Se ainda encontramos este tipo de preconceito entre os psis e médicos britânicos, dá para imaginar a extensão e gravidade disto no Brasil, país em que a religiosidade tem um papel de ‘regulamentar’ a sexualidade.


Particularmente, acho que a chamada do Yahoo foi ‘bombástica’, para chamar a atenção – e principalmente dos homófobos. Ao ler a pesquisa, percebe-se o tom crítico e que esta postura dos médicos e terapeutas de lá não é um consenso – é mais uma desinformação, para a qual muito contribuem valores religiosos e moralistas, o que é uma pena. De certa forma, se associa a orientação sexual a ‘desvios de caráter’, o que mantém o preconceito.

Abaixo, o texto.

‘Gays precisam de tratamento, acreditam terapeutas britânicos’



PARIS, França (AFP) – Em pleno século XXI, terapeutas britânicos ainda propõem tratamentos para ajudar os gays a virarem heterossexuais, contra qualquer prova de que tal medida tenha utilidade e não seja nociva, de acordo com um estudo divulgado nesta quinta-feira pela revista especializada “BMC Psychiatry”.

Esses tratamentos tiveram seu apogeu na Inglaterra, nas décadas de 1960 e 1970, mas há muito tempo a orientação homo ou bissexual não é mais considerada uma doença mental, sobretudo, pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A equipe de pesquisadores de Londres, liderada pelo professor Michael King, pediu a mais de 1.400 profissionais de Saúde Mental (psiquiatras e psicólogos eram quase metade), que tentassem mudar a orientação sexual de um cliente, caso lhes fosse pedido – 1.328 questionários puderam ser analisados.

Apenas um em 25 (4%) disse que o faria, mas um a cada seis (17%) indica ter ajudado pelo menos um cliente a reprimir suas tendências “gays“, ou “lésbicas”, geralmente pela terapia. O estudo não revelou sinal de um declínio dessas práticas no período recente.

Além de sua ausência de eficácia demonstrada, esse tipo de tentativa “pode ser, realmente, perigosa”, advertiu King, acrescentando que “é, então, surpreendente que uma minoria significativa de notáveis ainda ofereça esse tipo de ajuda a seus clientes”.

Os terapeutas apresentaram algumas razões para justificar sua atitude, indo de opiniões morais, ou religiosas pessoais sobre a homossexualidade até o desejo de ajudar pacientes que sofrem discriminação.

Os pesquisadores, especialistas em Saúde Mental, também observaram um certo “grau de ignorância” sobre a ausência de eficácia dessas terapias – em particular, nenhum artigo comparativo científico foi escrito sobre o tema.

O professor King ressalta que a melhor maneira de ajudar os pacientes é lhes mostrar que não há absolutamente nada de patológico em sua orientação sexual, cabendo aos profissionais da área e à sociedade ajudá-los a enfrentar os preconceitos dos quais são objeto.

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Não só enfrentar os preconceitos vindos de fora quanto também os internalizados. Se o indivíduo ‘aceita’ a ideia de anormalidade ou doença, sua auto-estima fica bastante comprometida, com impacto em todas as áreas de sua vida (familiar, afetiva, profissional).

Enfim, mais uma vez é bom lembrar que aqui no Brasil os Conselhos Federais de Medicina e de Psicologia entendem que é passível de punição o/a profissional que tentar ‘reverter’ a orientação sexual. Mas, para isto, cabe a/o paciente denunciar –  só que, para isto, ele/a   tem de conseguir já vislumbrar que homo ou bissexualidade não é indicador de patologia.


Thays Babo é psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende no Rio de Janeiro

09/03/2009

Dando voz à igualdade

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Milk: a voz da igualdade é um filmaço, baseado na  vida de Harvey Milk. Ao sair do cinema, lembrei da frase de Einstein, dita ainda no século 20: “Tempo difícil esse em que estamos, em que é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito“. É, caro Einstein, de lá pra cá não mudou muita coisa, mesmo depois da curta existência de Mr. Milk…

Milk fez enorme sucesso e conquistou dois Oscars importantes, em 2009: Oscar de Melhor Ator, para Sean Penn, que interpretou magnificamente Milk, e de Melhor Roteiro Original.Deixando a Academia de lado, gostaria de falar do quanto o filme é tocante.

Afinal, quem foi este homem? Confesso que até assistir ao filme, não sabia nada dele.  Muito resumidamente, Harvey Milk foi um dos primeiros ativistas gays. Americano, foi abatido covardemente por um homófobo ao lutar pelos direitos humanos, no final dos anos 70, em São Francisco. Felizmente, sua voz continuou ecoando através de seus amigos, que  se engajaram na causa. Graças a eles, em alguns pontos do globo, não é mais ‘politicamente correto’ pensar em homossexualidade como doença ou desvio de caráter. O ‘politicamente correto’, no entanto, faz algumas pessoas mascararem seu preconceito em público – mas ainda é pouco.

Como psicóloga, ouço relatos sobre a vivência da sexualidade e já ouvi histórias bastante tristes sobre a  incompreensão enfrentada dentro da própria família. Pais e mães espancam ou expulsam seus filhos. Pais e mães não reconhecem suas crias se são diferentes do que esperavam ter.

A ONU e, no Brasil, os Conselhos Federais de Medicina e Psicologia orientam para a não discriminação. Psicólogos que tentem ‘reverter’ a orientação sexual são passíveis de notificação e até cassação do diploma, se forem denunciados. Mas, para isto, a pessoa atendida tem de estar suficientemente bem consigo mesma, para não aceitar um ‘diagnóstico’ de psicopatologia.

Contrariamente ao que homófobos podem pensar, este filme não é exclusivamente para  gays. É histórico, mostra a lenta evolução das mentalidades, mostra o quanto se deve lutar pelo respeito às diferenças – sejam elas quais forem.

Muito se confunde ainda homossexualidade com criminalidade. Há quem ache mesmo que homossexuais são pervertidos, que são todos pedófilos. Este preconceito acaba iludindo : a cada dia se recebem notícias mais estarrecedoras, de parentes próximos –  pais, avós, tios, padrastos – héteros – abusando das crianças, sem nenhum traço de homossexualidade que reforçasse a suposta e alardeada ‘perversão’.

O discurso pretensamente religioso de muitos homófobos – e que aparece no filme, através de duas personagens – seria engraçado, se não desse tanta margem a mortes violentas e tristeza. Usar o nome de Deus em vão não é pecado, não os assusta? Os suicídios e mortes violentas, assassinatos, não são uma ‘maldição’ lançada sobre homossexuais. Na verdade, se ocorrem, é pela  dificuldade de convivência com o que é diverso. Deus não tem nada a ver com a crueldade humana.



É interessante também quando Milk, em um debate com um conservador, rechaça a ideia de que, ao conviver com alguém de uma orientação sexual diferente da sua, alguém muda de orientação sexual. Ele diz: “Meus pais eram heterossexuais”. 😉

Apesar de, cinematograficamente, Milk não ser nada excepcional (fora a atuação de Sean Penn), é um filme que deve ser visto. Ajuda a  refletir sobre preconceitos que persistem. Ajuda  a conversar com os jovens que nos cercam sobre sexualidade, política, direitos humanos. Pode inclusive ser um bom recurso didático para discussão em sala de aula. Afinal, assassinatos de homossexuais não ficaram restritos àquela época. E nem aos Estados Unidos. Até hoje, há grande número de mortes anualmente no Brasil. E são crimes que muitas vezes não são resolvidos, não são punidos e que são praticados justamente por intolerância. Tudo isto contribui para que, além dos homicídios, muitos se suicidem ao invés de assumir e
lutar contra o preconceito.

Mais do que uma opinião minha, gostaria que o post promovesse um debate. Fica o convite. Divulguem.

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Thays Babo é psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio e atende no Rio de Janeiro

02/03/2009

Quem quer ser um milionário?

Premiadíssimo no Oscar 2009, Slumdog Millionaire – que, no Brasil, recebeu o título Quem quer ser um milionário?, em referência ao programa dentro do filme – conquistou as duas principais estatuetas (Melhor Filme e Melhor Diretor), dentre outras. Mas dividiu as críticas.  Contexto da premiação Muito se falou que o prêmio simbolizava a aproximação dos EUA do resto do mundo, com atores e diretores não americanos premiados. Acompanhando os comentários sobre os prêmios, vários especialistas apontaram que naquele ano de 2009 houve a preocupação em contemplar os vários países para, com isto, também aumentar a audiência da cerimônia. E, convenhamos, premiar uma produção ambientada na Índia não deixa de ser mercadologicamente importante. O mercado indiano não é nada desprezível, tanto por ser uma economia emergente, como pelo fato da produção Bollywoodiana ser bastante significativa . Para os indianos, Hollywood não tem o mesmo apelo e o filme talvez abrisse as portas para um mercado e tanto. Mas, deixando de lado o mercado, por que Quem quer ser um milionário? fez tamanho sucesso com o público? O que encantou? O diretor usou ingredientes certeiros: fez um romance disfarçado de ação, rodado em um lugar exótico, com a eterna luta entre o ‘bem e o mal’. Uma epopeia atrás do amor eterno, da alma gêmea, com ritmo frenético. Desde que o mundo é mundo, mitos em que o herói resgata a mocinha e com ela vive feliz para sempre agradam em cheio. Slumdog não é uma exceção – mesmo que o herói seja herói por acaso e não tenha o menor controle sobre a situação – apenas perseverança. E a sorte ao seu lado. As perguntas estampadas no cartaz em inglês apelam para o lado romântico, épico, do filme: – O que faz achar um amor perdido? A) dinheiro B) sorte C) esperteza D) destino. Muita gente cínica marcaria a letra A, mas Jamal provavelmente assinalaria a resposta correta.   Outros concorrentes O filme concorreu com O Leitor, filme que deu o Oscar – finalmente! – à Kate Winsley. O Leitor nos faz  rever os conceitos sobre o que é amor, nos colocando no lugar dos personagens.Exemplificava claramente o  amor incondicional, com todas as contradições, um “amor de verdade”. Porém,  anos depois do lançamento, percebo que Quem quer ser… – além de ser ‘uma gracinha’ de filme, que vai bem com pipoca e refrigerante, numa sessão da tarde – também fala de “amor de verdade”. Um amor que não teve de enfrentar paradoxos, mas passou por muitas provas até poder se realizar. Há uma semelhança entre a história de Jamal com a de Rama e Sita, personagens do épico Ramayana.  Rama surge uma vez para Jamal, ainda criança. Pode parecer um personagem coadjuvante, uma alucinação. Mas, talvez , só os indianos ou amantes da cultura hindu percebam a sua real importância ali. Como no poema grego A odisseia, em que Ulisses sempre é protegido pela deusa Atenas, Jamal teve Rama (para saber mais, confira o épico Ramayana). Apesar da história de Jamal ser muito parecida, ele não é um devoto, no sentido restrito da palavra. Mas ele age corretamente o tempo todo. Sem amigos com quem contar, tem de se virar, sozinho. Tem sua meta, não se desvia e trabalha para atingi-la. Apesar da religiosidade não estar ali, na superfície, o tempo todo. Jamal ‘nega’ a importância de Rama e Alá, em determinado momento. Mas, Latika reforça a possibilidade deste olhar, místico, quando diz : “Deus está com você”.  Enfim, também pode ser visto como uma briga entre o Bem e o Mal. Ou pensando melhor, entre a sabedoria e a ignorância. No final das contas, quem era o ignorante?! Quem quer ser um milionário?… faz a plateia vibrar. Toca a necessidade de buscar  justiça e acreditar que o ‘bem’ será recompensado no final… Enfim, é um filme épico, para ver e sair feliz, cantando e comemorando. Em tempo: Jai Ho significa “Que Você Seja Vitorioso”. Jai, jai, jai! __________________________________________________________ Thays Babo é Mestre em Psicologia Clínica pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO e extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP). Atende a jovens e adultos em terapia individual, pré-matrimonial ou de casal, em Copacabana. Durante a pandemia, todos os atendimentos são online.

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