Assisti, gostei, mas não amei… achei um pouco previsível. Felizmente, o Oscar foi para Kate Winslet. Não que Meryl Streep não estivesse excelente, como quase sempre – mas a preferi em O diabo veste Prada, como Miranda Priesley. Neste Dúvida, a personagem de La Streep é pouco carismática – e, de certa forma, previsível, não conseguindo despertar empatia ou compaixão… Convenhamos, interpretar um vilão (ou vilã) e conseguir ‘despertar compaixão’ é um grande desafio.
Phillip Seymour Hoffman está maravilhoso como sempre – seus discursos são excelentes – e a mãe do aluno ‘perseguido’ (Viola Davis) foi uma revelação para mim . Talvez devesse ter ganho de Penelope Cruz, apesar de sua participação ter sido de curtos minutos.
De certa forma, o tema do filme é ‘batido’: acusações de pedofilia, o silêncio da Igreja. E quem não conhece a rigidez dos religiosos? Quem não sabe do que são capazes, depois de termos passado pela Inquisição ou mais recentemente da omissão frente ao nazismo?
A dúvida sobre se houve ou não crime continua após filme e proporciona bons debates entre amigos. Mas, segui na torcida por O Leitor. Em vão, já que Quem quer ser um milionário ganhou. Comparando Dúvida com O leitor, o que me cativou neste último é que, conquanto o holocausto já tenha sido pisado e repisado, garantindo ótimos filmes, sua ‘heroína’ (???) é capaz de despertar sentimentos ambivalentes, introduzindo um ponto de vista original e… bem, leia no post específico! 😉
Mas vale ver e rever os sermões do Padre, especialmente sobre fofoca.
Se nos concentramos no relacionamento amoroso (para Michael) e sexual (para Hanna), e não nas questões de ética e justiça, o filme gera outros ótimos debates.
Inicialmente, Michael estaria realizando uma fantasia de muitos homens: sua amante mais velha, que poderia ser sua mãe, não cobrava dele nada. Nem dinheiro, nem declarações nem garantias de amor eterno ou de uma aliança. Cuidava dele, como uma mãe – e foi o que o apaixonou? Não fazia nenhuma pressão sobre seus estudos e horários. Mas também sabia ser cruel como mães sabem ser.
No período em que viajam, quando a atendente pergunta a ele se ‘sua mãe’ gostara, ele não se choca, não se revolta, apenas sorri. Para quem acha que todo homem tem seu fundo Édipo, Hanna seria a Jocasta perfeita.
Não deixa de ser curioso que a relação de Michael com sua mãe biológica é completamente distante – ao ponto dele passar tempo sem ir vê-la e ela reclamar disto nele, já adulto.
E Hanna, tão apegada às regras e normas, à hierarquia, através daquele affair pode – pela primeira vez – exercer totalmente o poder sobre alguém. Permitiu-se o prazer mas também sem esquecer a disciplina.
Enfim, estou encantada com o filme e com seus desdobramentos.
O Leitor concorre a 5 estatuetas do Oscar (a saber: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia) e tem o raro poder de despertar compaixão por alguém que não a merece. Alguém para quem o senso moral não existe. Tomarei cuidado para não entregar o segredo anunciado no cartaz de divulgação: “O que você seria capaz de fazer para esconder um segredo?”. Ainda bem que não tinha visto o cartaz antes de assistir ao filme. Aliás, antes de escrever, li algumas resenhas em que o ‘segredo’ citado no cartaz era mencionado! Falta sensibilidade em quem escreve sem atentar para um detalhe tão simples…
Quem vai assistir ao filme sem ler nada sobre ele, pode imaginar inicialmente que O Leitor seja um filme sobre a iniciação sexual de um jovem. No caso, Michael Berg que, na Alemanha do pós-guerra, cruza seu caminho com o de Hanna Shmitz (em mais uma excelente atuação de Kate Winslet). Sem muito romance nem discussão de relacionamento, os dois têm um caso, de curta duração. Mas, o que tem este affair de breve, tem também de intensidade, para Michael. Apesar de ter perdido contato com ela, ele não a esquece. Ao longo dos anos, testemunhamos que as lembranças estão lá, guardadas na mente do introspectivo Michael que, adulto, é interpretado por Ralph Fiennes. (Fico imaginando que a ‘heroína’ deve causar espécie em mães zelosas de jovens adolescentes. Ao mesmo tempo, deve evocar boas lembranças nos espectadores do sexo masculino.)
Mas o filme vai além de um romance erótico. O segredo citado acima é facilmente desvendado bem no início, pelo/a espectador/a atento/a. Porém, só quando Michael se dá conta do óbvio, acontece uma virada em sua história pessoal: ele a ressignifica. E, de quebra, descobre que também pode interferir na História. Vive grande angústia frente ao que tem de decidir. Quando o affair desfeito ganha um novo sentido para ele, o filme muda de gênero. Passamos a espectar seu dilema ético: contar ou não contar a verdade? Revelando, poderia intervir no curso da justiça. Mas, ao revelá-la, interferiria na escolha de Hanna: teria ele este direito? E, além de tudo, o jovem se exporia ao sabor do julgamento dos outros, pagando alto preço por isto.
Decidindo por ambos, Michael carrega por décadas o resultado desta escolha. Apenas 20 anos depois consegue dar novo sentido a ela.
Aconselho a quem ainda não viu o filme a não assistir ao trailer para não perder o impacto da trama.
O filme retrata um amor incondicional, cada dia mais raro de ver, na ficção ou na vida real. Em termos de amar sem exigir nada em troca, assemelha-se a Assédio, de Bertolucci. Sem nenhuma pista sobre Hanna até metade do filme (não li o livro que, segundo vi comentado na internet, é autobiográfico), não se pode justificar o jeito de Hanna pela criação que recebeu, pelos traumas que passou. Suas justificativas, tão frias e racionais, são as que tornariam a ‘operária padrão’, em qualquer tempo, em qualquer empresa, em uma sociedade sem ética ou moral. São razões lógicas – e verdadeiras. Cumpre ordens, sem pensar, sem refletir.
O filme provoca a plateia (O que fazer no lugar de Michael? O quanto é possível – ou se deve – perdoar? O que é ser humano?). Não dá para sair do cinema sem pensar. Por isto, considero todas as indicações merecidas. Ficarei, pois, na torcida – mesmo sem ter visto todos os indicados – pelo de melhor filme e atriz. Kate Winslet vem merecendo desde Razão e Sensibilidade o devido reconhecimento formal da Academia. Não por acaso já recebeu o Globo de Ouro por este filme (inexplicavelmente, como coadjuvante) e o Bafta (como melhor atriz). Enfim, está na hora da estrela.
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Thays Babo é psicóloga clínica, trabalha na linha de Aceitação e Compromisso (ACT), atendendo a jovens, adultos e idosos no Centro do Rio e em Copacabana.
Antes mesmo da estreia de Foi apenas um sonho, fiquei super interessada em assistir a este filme, já que estudo os relacionamentos amorosos desde os tempos de Mestrado. “Ah, como assim? Relacionamentos se estudam?” 😉 Para quem não sabe, a Psicologia do Amor se constitui em uma área de estudos dentro da Psicologia.
Voltemos ao filme, que se baseia em um romance. Recebeu três indicações para o Oscar – de melhor ator coadjuvante, figurino e direção de arte, porém a Academia deixou de fora Kate Winslet (que concorre por outro filme, O leitor, que devo comentar em breve) e Leonardo Di Caprio, que encarnam muito bem o casal em crise, os Wheeler.
O título original é, a meu ver, muito mais interessante do que o que recebeu no Brasil: Revolutionary Road. A tal Estrada Revolucionária é o irônico endereço do casal Frank e April Wheeler, que se conhece e apaixona à primeira vista. Ela se encanta com todos os sonhos dele e o acha o homem mais interessante que já conhecera. Já vimos este filme antes? Dezenas de vezes, inclusive na vida real, próximos de nós. Se é que alguém consegue escapar a este enredo…
Mas quais são os sonhos de Frank? Só conhecemos um: morar em Paris onde, imagina, todos são felizes. Com tanta dificuldade de lidar com a realidade, April engravida. Casam-se.
Um corte no tempo leva os espectadores à fase de crise, quando já estão tentando viver segundo o american way of life. Morando nos subúrbios de Connecticut, nos anos 50, Frank, empregado na mesma empresa em que seu pai trabalhou durante toda sua vida (até se aposentar sem grande reconhecimento), questiona sua vocação. April, dona de casa, tem como frustração não ter se tornado atriz . A comunicação entre ambos inexiste – mais por dificuldade de April, que se mostra um raro exemplar feminino: não gosta de discutir a relação!!! 😉 O tédio existencial ronda o casal, que esqueceu como sonhar.
O aniversário de Frank é um marco e serve como um balanço para April. Ela volta a sonhar e o envolve. O casamento volta a ter o viço dos tempos iniciais. A cumplicidade do casal aumenta e todos – no trabalho e na vizinhança – invejam a harmonia; apesar de acharem meio imatura a decisão de vender tudo e ir morar em Paris.
Várias leituras para este drama romântico são possíveis… Pela filosofia existencial, podemos refletir sobre o sentido que April e Frank dão às suas vidas, ou melhor, na ausência de sentido. E também nas escolhas e responsabilidades que têm sobre elas. April Wheeler me remeteu à Laura Brown, de As Horas, personagem interpretada por Julianne Moore. Ambas as personagens causam a mesma estupefação na plateia, ainda maior nas pessoas que optam por uma vida padrão, sem grandes riscos emocionais, optando pela estabilidade a qualquer preço.
Em termos junguianos, pode-se dizer que o apaixonamento e o encantamento inicial de April com Frank é a projeção típica de animus (sua contraparte masculina inconsciente), presente no início da maioria dos relacionamentos. Porém, é sua impossibilidade de, ao longo do casamento, lidar com a constatação de que o que projetou no marido não era exatamente o que imaginou na fase inicial que põe o casamento na situação crítica a que assistimos. Além disto, April tampouco corresponde ao arquétipo de mãe tradicional. Seus sentimentos e comportamento causam estranheza. Ela nada tem em comum com a deusa Demeter, por exemplo. (Aliás, nada como assistir a filmes que rendem ‘questionamentos’ em cinema! É ótimo para avaliar a reação da plateia, do público padrão. Assisti em uma sessão à tarde, sentada próxima a uma senhora que resmungava, protestava com as questões de April. Como podia questionar tanto ‘uma vida tão boa’, ‘um marido tão lindo’, uma ‘casa tão bonita’? Por que se entediava? Por que não podia simplesmente ser feliz? Cá entre nós, as mesmas pessoas que se indignam com o comportamento de April,condenam todas as mulheres que fogem ao script tradicional de ‘mãe de família’)
Mrs. Wheeler encarna o pensamento de Elisabeth Badinter que, em O mito do amor materno, propôs que nem todas as mães têm o famoso amor de mãe, que seria socialmente construído. A plateia se incomoda e resmunga. April remete também à Emma Bovary, de Flaubert. Não deve ser coincidencia que, com outra personagem, a mesma Kate Winslet faz um elogio à Madame Bovary (em Pecados Íntimos, no meio de um grupo de mulheres conservadoras).
Ainda pensando ‘junguianamente’, April parece uma puella . Resumidamente, a puella – e o puer – representa, dentre outras coisas, a dificuldade de crescer, de assumir as responsabilidades de vida adulta e suas consequentes limitações. O casamento dos Wheeler renasce, com frisson, quando os dois assumem o lado puer e resolvem sonhar, largando tudo para o alto, indo contra o senso comum – seu pólo oposto, o sênex. Enquanto tomados pelo puer, não pensam nas adversidades, tudo vai dar certo. Ao mesmo tempo em que o casamento que quase acabara, rejuvenesce, notam-se as críticas no olhar e na fala dos amigos. Sem poder falar, deixam transparecer que discordam do projeto de inversão de papeis: April propõe trabalhar para sustentar a casa, enquanto o marido descobre seu talento. Este olhar conservador, oposto ao puer, é o arquétipo do senex (que origina a palavra ‘senil’).
Não deixa de ser engraçado que justo o personagem ‘surtado’, em crise, é o que melhor compreende o projeto revitalizado de ambos e admira o casal. Eles riem deste fato – e aí a letra de “A balada do louco” (Se sou muito louco, por eu ser assim, mais louco é quem me diz e não é feliz…) pode adiantar a quem ainda não viu o filme como o jovem casal se sente.
Porém, talvez a tese de que todo mundo tem seu preço, ou , no final das contas, porque um pouco de estabilidade não faz mal nem mesmo a Frank, ele é tentado. Aceita sua vocação, descoberta meio que ao acaso, muda seus planos. Mas não consulta a mulher. Sabendo antecipadamente que seria uma tremenda decepção, deixa para ‘comunicar’ em um papo informal, na praia, com um amigo, para que ela ouvisse. Dá para imaginar o resultado? Espero que não, afinal, muitos detalhes foram aqui omitidos para não perder o impacto.
E como não há bem que sempre dure, a crise volta ao lar dos Wheeler…
O filme fica então como mais um questionamento sobre como podemos – se é que podemos – manter os sonhos de início de relacionamento ao longo dos anos. Será que podemos manter as idealizações sobre nossos parceiros ou, não, que temos de aprender a amá-los, acima de todas as decepções? Talvez a resposta seja que não há receita de bolo …